sábado, 21 de março de 2015

"Se" o golpe desse certo!

No fazer historiográfico, o métier do historiador, devem ser evitadas as futurologias! Consiste em evitar as conjecturas baseadas no "se"! Mais ou menos assim: "Se" a Reconquista (retomada cristã sobre a invasão muçulmana na Península Ibérica) não fosse bem sucedida, a maioria dos brasileiros estaria hoje rezando de bunda para cima e com a cabeça virada para Meca. Futurologia! Ou pior ainda: "Se" D. Pedro I não dissesse "para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que fico" em 9 de janeiro de 1822, o Brasil seria colônia portuguesa por muito mais tempo. Ou, por uma visão mais otimista, a independência brasileira dependeria muito mais das forças populares, não teríamos uma monarquia e consequentemente teríamos uma democracia muito mais antiga e consolidada na memória social dos brasileiros! Futurologia! Outra muito usual entre os estudantes de História é a: "Se" Jango tivesse resistido ao Golpe de 1964? Bem, vamos voltar a este assunto mais a diante! 

Com as manifestações de junho de 2013 e os atos em março de 2015, onde percebemos a crescente ideia de intervenção militar sendo sustentada por grupos de direita, suscita uma outra forma de futurologia que busca responder a duas perguntas: É possível uma intervenção militar no Brasil de 2015? Como seria um governo militar caso houvesse essa intervenção?

A primeira pergunta pode ser respondida com uma análise político-social, conjuntural e estrutural. Não se trata de exercício de futurologia e sim de um conhecimento básico de Direito Constitucional para identificar que uma intervenção militar fere a Constituição Federal no inciso XLIV do artigo 5º que diz "constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;". Muito embora a grande maioria dos analistas, pelo menos os sérios, aponta para a impossibilidade de um golpe militar no Brasil, eu digo que "se" isso acontecer não poderá ser constitucional. Seria um golpe, pois utilizaria uma via ilegal para deposição de uma governante eleita democraticamente. A partir deste ponto começa o abominável, porém divertido exercício da futurologia!

Caso haja uma "intervenção militar", ou seja, um golpe via forças armadas, como seria um governo pós-golpe? Seria ditatorial? Implementaria a tortura e o desaparecimento como muitos apontam para esta triste memória? Limparia a corrupção e moralizaria a política do país?

Vamos começar de onde paramos, na Constituição Federal. Caso houvesse um golpe no Brasil atual, uma das primeiras ações, senão a primeira, seria declarar nula a Constituição pois ela anula qualquer governo que não seja constituído pela suas regras. Seria ilógico um governo golpista manter um documento que invalida suas ações. Logicamente, seria necessário também, ao governo golpista, dissolver o Congresso Nacional e extinguir os partidos políticos. A final de contas, o respaldo ao golpe foi dado por conta do enorme descontentamento com os políticos. E lá estariam as vozes que possivelmente se levantariam contra o golpe. Seria necessário a decretação da perda dos direitos políticos. A censura, ainda que branca ou branda, seria implementada! O governo precisaria de apoio e reconhecimento internacional e interno, para isso seria necessário uma propaganda governamental gigantesca para demonstrar que o golpe foi imprescindível para a garantia da ordem, da moral e da "boa política", para eliminar a ameaça do socialismo. (Opa, isso é da Guerra Fria!) O golpe seria justificado como forma de evitar a transformação do Brasil numa "grande Cuba" ou em uma "grande Venezuela" pela "presidenta guerrilheira" e um partido stalinista. E a Operação Lava-Jato da Justiça Federal, assim como todas as outras e futuras investigações sobre corrupção política, passariam a serem controladas pelos civis e militares golpistas, que passariam a selecionar os nomes dos envolvidos nos casos de corrupção para não desgastar o governo, selecionando apenas os opositores a fim de desgastar os antecessores e o grupos políticos de esquerda. Seriam necessárias as nomeações de uma Assembléia Constituinte e de um ministério. Seriam necessárias as nomeações dos cargos para tocar as estatais, os governos dos estados e dos municípios. Afinal, o golpe militar rasgou a antiga Constituição e agora os governos estaduais e municipais são nomeados pelos apoiadores do golpe. Estes serão escolhidos entre o povo, majoritariamente entre os antigos políticos que apoiaram golpe. Estariam todos estes políticos purificados de todos seus pecados após o golpe? Suas índoles, estariam totalmente depuradas dos velhos hábitos! A corrupção estaria extinta no novo Brasil governado pelos golpistas civis e/ou militares!

Continuemos com a nossa divertida, porém abominável futurologia. O novo governo seria, por definição, ditatorial! Os civis e militares após praticarem um golpe de estado com a deposição de um governo democraticamente eleito, não colocariam nas mãos do povo o novo governo! Tampouco chamariam eleições, pois não haveriam as regras para tanto! (A constituição foi rasgada, lembra?) Ainda mais com a possibilidade da eleição, novamente, de um representante do partido deposto! Fariam, logicamente, modificações no estado brasileiro de forma a garantir que seu grupo político tornar-se-ia hegemônico. Dentre todos os fatores possíveis, o mais imprevisível seria a reação popular. Como reagiriam os militantes de esquerda frente a um golpe de direita?

Devemos sempre observar que se a direita foi radical o suficiente para depor um governante constitucional, rasgar a constituição e implantar uma censura associada a uma propaganda chapa-branca, a esquerda vai pensar numa reação tão radical quanto! Muito provavelmente grupos armados de esquerda surgirão, que logo seriam tachado como terroristas pela propaganda do sistema que cooptou os veículos de comunicação e cassou os veículos contrários ao novo regime! Os grupos de esquerda organizarão manifestações que poderão insuflar a população a protestar pela volta da democracia e dos direitos perdidos pela queda da extinta Constituição Federal e pela falta de acesso a informação! Sendo um estado de exceção este tipo de manifestação contra o governo seria proibida, e os manifestantes serão "dispersados" à força! Os organizadores seriam perseguidos e presos acusados de qualquer coisa! (Os direitos e garantias fundamentais foram rasgados com a Constituição. Lembra?). Estes grupos de esquerda, vão começar a divulgar ao mundo, através das redes sociais e canais de vídeos na internet, as ações das forças armadas golpistas, clamando por ações da comunidade internacional em prol dos direitos humanos. Aí que as forças oficiais dos golpistas, a partir dos seus serviços de inteligência define a necessidade da proibição das redes sociais no Brasil, até que a ordem seja restaurada! Afinal, as imagens de soldados brasileiros "dispersando" os manifestantes anti ditadura, causam muito mais impacto que a desacreditada Rede de Televisão, que não pára de divulgar as boas ações do governo e as ações terroristas dos grupos de oposição! Então, após a economia fracassar e a pressão internacional identificar a falta de democracia ainda que haja revesamento do poder, o regime resolve promover uma abertura lenta, gradual e segura. Após muitos excessos criminosos contra a população, sobretudo contra os grupos de pessoas contrárias e com ideologia diversa a de direita, o regime propõe, unilateral e benevolentemente, uma anistia ampla, total e irrestrita! Em 2036 o brasil volta a eleger democraticamente seus governantes que é amplamente festejada pelos veículos de comunicação hegemônicos que enriqueceram durante os períodos obscuros vendendo entretenimento à população!

A futurologia no meio acadêmico é tratada como um desvio no ato de historiar! Mas como este espaço é livre dos academicismos, conclui-se, a partir destes irrefutáveis fatos no futuro do pretérito, que um golpe civil-militar na atualidade, só seria possível se fossem proibidos o Facebook, Twitter e Watsapp em território nacional. Entretanto, voltando ao início de nossas conjecturas, Jango provavelmente pensou em resistir ao golpe de 1964, mas desistiu em função de alguns fatores. "Se" Jango resistisse ao golpe de 31 de março, teria que criar uma rede de informações gigantesca, colaborativa e com uma tecnologia desenvolvida para a guerra. O Brasil teria, então, desenvolvido a primeira rede social do mundo! Teríamos uma indústria da informação hiperdesenvolvida sobre uma base acadêmica sólida. Seríamos hoje um país extremamente desenvolvido, com uma democracia amadurecida. Teríamos assento no conselho de segurança da ONU, e seríamos o líder das Américas em armamentos. Seríamos imperialistas e sedentos por recursos primários para manter nosso "estilo de vida brasileiro". Claro que tudo isso, após vencer a guerra contra os EUA! Uma barbada!

quinta-feira, 19 de março de 2015

Um Brasil melhor?


As manifestações do último dia 15, suscitaram muitas análises que se propuseram a responder muitas perguntas e apontar os muitos fatores que contribuíram para que tantos brasileiros fossem às ruas naquele domingo. Não pretendo aqui esgotar o assunto, mas acredito que posso contribuir um pouco para o entendimento histórico, político e social do fenômeno, que acredito deva ser analisado num contexto mais abrangente para poder ser compreendido.

Primeiramente devemos responder a pergunta: Quem eram os manifestantes?

Desde o século XX o Brasil vem experimentando acirramentos nas disputas políticas e radicalismos ideológicos que estabeleceram uma dicotomia que transpassa o espectro político, assentando suas bases nos posicionamentos sócio-ideológicos ao longo do tempo. Na minha visão, esta disputa de longa duração vem desde as disputas entre metropolitanos e coloniais, passando por imperialistas versus republicanos, liberais versus socialistas, e que hoje colocam de um lado os da chamada atual direita brasileira, um bloco político com ideais que representam a defesa das classes sócio-econômicas mais altas, ameaçadas de inúmeras perdas diante dos sucessivos governos petistas, e de outro lado a atual esquerda brasileira que defendem avanços sociais e maior distribuição de riqueza com maior foco nas classes mais inferiores da pirâmide social. Esta dicotomia, desde os anos do integralismo, (o fascismo no Brasil) é representada pelo verde amarelo versus o vermelho. Nos anos 1980, foi evidenciada pelas publicações do "BRASIL: Nunca mais." e "Brasil SEMPRE".


Os manifestantes do dia 13 de março, manifestação organizada por partidos e instituições de esquerda, vestiam vermelho e representavam as classes sociais mais baixas. Já nas manifestações do dia 15 de março, manifestações organizadas pelos partidos de oposição (PSDB, DEM, PPS, etc.) e pela grande mídia comercial do país, vestia-se verde e amarelo! É inegável, e não houve tentativas incisivas de negar isso, que a maioria dos manifestantes eram das classes mais elevadas, levando-se em conta o que Bourdieu chama de capital material. Pessoas que no mínimo não têm problemas com acesso aos bens básicos para uma vida digna. Pelo contrário! Muitos, nas últimas férias viajaram para o exterior! Mas surgem aqueles que dizem: “Eu não sou da elite. Sou um trabalhador indignado com a pouca vergonha na política!”. Muito bem! Mas resolveu se manifestar ao lado dos que pedem o impeachment da presidente, intervenção militar, marchando ao lado de toda sorte de ultradireitistas como os neonazistas, etc. Não se trata aqui das origens humildes ou sobrenome, trata-se de quais ideais são defendidos! No caso das manifestações em questão, eram ideais de direita e elitistas.

Outra pergunta a ser respondida é: O que queriam os manifestantes?

Claro que fatores como o televisivo ato de fazer história, o antiesquerdismo, a risível desinformação, o revanchismo pela perda das eleições em 2014, etc., influenciaram a organização dos atos do dia 15 de março. Alguns institutos de pesquisas e jornalistas independentes produziram um rico material que evidencia o que as transmissões da grande mídia comercial omitiu e/ou mascarou para transformar o ato em algo “extremamente politizado que entrará para história”. Muitas declarações de manifestantes são verdadeiras pérolas que atentam contra ao ensino formal como um todo, sobretudo o ensino básico de História! As reivindicações do “Movimento Brasil Livre” não foram claramente expostas além das máximas generalizantes e golpistas. Vivemos em uma democracia e com liberdade de expressão, mas o que se presenciou naquele domingo, foram muitas agressões, incitação ao ódio às pessoas e partidos políticos, palavras de ordem majoritariamente xenofóbicas, orquestradas pelos organizadores e reproduzidas pela maioria dos manifestantes. Cenas de xenofobia comparáveis ao fascismo dos anos 1930 e de anticomunismo comparáveis ao período da Guerra Fria! Entretanto, por trás de todo o ruido produzido por estas agressões absurdas, pudemos observar nas entrevistas tanto para a mídia oficial quanto para a mídia alternativa, padrões que podem nos elucidar o que de fato querem os manifestantes! Quando perguntados do porque estavam alí, surgiam quase que universalmente as duas frases: “contra a corrupção” e “por um Brasil melhor”. Surgiram outros motivos como “contra o PT”, “contra a Dilma”, “contra o Lula”, “prisão do Karl Marx”, “abaixo Paulo Freire”, “intervenção militar constitucional”, muitos cartazes em inglês, etc. Acredito que analisando o “contra a corrupção” e o “Brasil melhor” poderemos vislumbrar os reais objetivos da maioria dos manifestantes.

Ser contra a corrupção é um princípio fundamental de cidadania. O brasileiro, antropologicamente defini como corrupção o ato prejudicial à sociedade praticado pelos outros! Isto mesmo! A corrupção, para o brasileiro, é somente praticada pelos outros! Por isso daquela camiseta do ex jogador de futebol e agora grande empresário,  com os dizeres “A culpa não é minha. Eu votei no Aécio!”. A culpa da corrupção é sempre dos outros, na cabeça dos brasileiros! O brasileiro sempre diz ter votado em um político honesto! O Congresso nacional está formado de representantes dos mais variados setores da sociedade brasileira! Dentre muitos deputados e senadores honestos, existem os desonestos! Aqueles cidadãos e cidadãs foram parar no Congresso por culpa dos outros? Ou será que muitos não votaram, apoiaram, fizeram campanha, doaram recursos financeiros, etc.? Ou os deputados e senadores são ungidos por uma santidade que os fazem seres divinos, portanto representantes somente do que o há de melhor no povo brasileiro?

Não há bom cidadão que não seja contra a corrupção. A corrupção está em pequenos atos como furar uma fila, não devolver um objeto perdido, praticar propaganda enganosa, sonegar impostos, dirigir sob efeito de álcool ou drogas, etc. São exemplos de corrupções que ocorrem diariamente e muito próximo a nós e que necessitam de ações de cidadania! De protestos diários! Diante de tudo, conclui que as pessoas que estavam nas manifestações, de certa forma, estavam se manifestando contra a corrupção dos outros! E que na verdade estavam fartos das repetitivas inserções já tendenciosas nos jornais e revistas que dizem, em última instância, que o Brasil está repleto de "seres políticos" corruptos que estão tomando o país de assalto! As pessoas que diziam: “não aguento mais a corrupção”, na verdade estavam querendo dizer “eu não aguento mais a televisão, jornais e revistas repetirem ad nauseam a existência de corrupção no meio político”. E os empresários corruptores que diariamente estão sugando os recursos públicos em obras e licitações superfaturadas? Estes não aparecem nos telejornais e revistas onde anunciam como corruptos?
 
Quanto ao “por um Brasil melhor”. Não será difícil perceber que a frase está incompleta! Há que se responder um pergunta secundária: Melhor para quem? Visto que a grande maioria dos manifestantes eram economicamente de classes altas, certamente não desejavam um "Brasil melhor" para os pobres! Desejavam a instituição do imposto sobre as grandes fortunas para que haja maior distribuição da riqueza que se concentra nas mãos de poucos ricos? Ironias a parte, vejo que o "Brasil melhor" está diretamente ligado a uma cidadania mais qualificada e menos corrompida pelos ímpetos egoístas e gananciosos. O Brasil melhor daqueles manifestantes é o Brasil da desigualdade social imensa que existia nos períodos ditatoriais! Por isso o clamor de sua volta! Para que não se veja mais pobres em aeroportos, pobres construindo casas e comprando carros! Para que volte a ser mais fácil ter empregada doméstica, que trocava seu trabalho por comida e moradia nas dependências! Para que não haja cotas nas universidades públicas que tradicionalmente eram frequentadas pela elite. Enfim, a grande massa de manifestantes estavam alí com o desejo da volta no tempo, que expressa o desejo da volta ao passado das grandes diferenças econômicas e sobretudo sociais. Um Brasil que tivesse continuado como enclave para os EUA. Um Brasil sem Dilma, sem Lula, sem o PT , sem o PSOL, sem o PCB e o PCdoB. Partidos que, por exemplo, representam a luta pelo respeito à diversidade étnica e cultural. Lutam para a inclusão das minorias étnicas e de gênero! Ou seja, parafraseando um deputado da direita gaúcha, “tudo o que não presta”!

Este é o país melhor que subjaz nas afirmações de muitos manifestantes!

Um Brasil melhor para quem, cara-pálida pintada?