sábado, 23 de novembro de 2013

A "consciência humana"


Sim, existe racismo no Brasil. E está muito próximo! Nesta semana da Consciência Negra, circulou nas redes sociais um banner com uma frase atribuída a um padre, que dizia algo parecido com: "Não precisamos de dia da consciência negra, branca, parda, albina, amarela, etc, precisamos de consciência humana". Esta publicação foi reproduzida por milhares de pessoas. Muitas atribuíram genialidade a este absurdo! Talvez sem perceber, prefiro acreditar nisso, estas pessoas estavam negando o direito a um dia alusivo à memória, à história das etnias afro descendentes brasileiras. 

Ora! Quem não lembra, existe por lei o Dia da Imigração Italiana no Brasil, e não vemos em 21 de fevereiro, manifestações generalizantes como esta. Sem falar nas atividades comemorativas das imigrações alemã, açoriana, holandesa, etc. Quem reproduziu a tal afirmação, não percebeu que o Dia da Consciência Negra, não diz respeito a apenas cor da pele. Diz respeito a toda a herança cultural afro-brasileira que nesta data se rediscute, se reapresenta, se revigora, etc. 

As pessoas nem perceberam que a dita frase "genial" está carregada do racismo à brasileira. Racismo dissimulado em generalizações, disfarçado com pseudo homogeneidades, carregado da falsa "democracia racial". Desde os tempos coloniais, o senhorio brasileiro admitia o convívio de negros em algumas circunstâncias sociais, na condição de submissão, claro. A cidadania brasileira, desde os tempos coloniais está baseada nas relações sociais. Isto é, o que importa é o sobrenome, o círculo de amizades, etc. Por isso, na certeza da manutenção de seu status social, o sinhozinho se amancebava com negras, por exemplo, pois não deixava de ser sinhozinho. Em tese e de fato, o sinhozinho era mais cidadão que qualquer negro. Diferente dos países onde a cidadania se baseia no indivíduo, como nos EUA. O racismo historicamente foi muito mais evidente no sentido da segregação social. O fato de um negro circular no mesmo espaço, consumir as mesmas coisas, viver o "sonho americano", torna-se insuportável aos ditos WASP (white anglo-saxon person), neste modelo social. Ser cidadão americano é ser um "igual". O apartheid foi, muito a grosso modo, a radicalização deste modelo social anglo, na colonizada Africa do Sul. 

Voltemos aos nossos dias e à nossa frase! A proposição do "não precisamos de..." já afirma o incômodo com a data, o que denota certa intolerância. Após, ao elencar várias cores, deu a entender que todos são "iguais", há uma certa "democracia racial" na frase. Mas a tal "consciência humana" é realmente uma pérola argumentativa! Como se não houvessem diferenças! Afinal, somos todos humanos! Desta forma, com estes simplismos casuísticos, segue-se dissimulando um racismo velado, porém tão destrutivo quanto qualquer racismo. Basta observar os indicadores sociais para se perceber que a população negra no Brasil continua, majoritariamente, à margem.

As ações afirmativas foram o início, mas falta muito. É preciso educar muito para além da “consciência humana”, mas para uma consciência social. Caso contrário ficará difícil para muitos entenderem que para alcançarmos uma sociedade menos desigual precisamos respeitar e reafirmar as diferenças.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Diferenças e Desigualdades


Dia 20 de Novembro é o dia da Consciência Negra. Dia que na história rememora a morte do líder do Quilombo do Palmares Zumbi, em 1695 traído por seu amigo "Antonio Soares". Juro que não traí o Zumbi! Brincadeiras a parte, alguns historiadores e estudiosos especialistas apontam como verdadeiro herói de Palmares, Ganga-Zumba. Seja como seja, o fato é que a resistência e a organização do Quilombo de Palmares e seu trágico massacre marcaram a história e a cultura do Brasil.

Esta data, na minha singela visão, representa não apenas o dia do "orgulho negro", mas um marco cultural para a sociedade brasileira que ainda não exorcizou alguns fantasmas. Isto fica muito evidente se pensarmos que até 30 anos, muitos clubes "brancos" não aceitavam negros tanto no corpo social como em suas festividades. Exceto os negros que iriam trabalhar ou tocar nas festas e bailes, ainda assim com a expressa proibição de dançar. Certamente por isso muitos clubes sociais formados por negros surgiram, sobretudo em meados do século XX. Exemplo no Litoral Norte do RS, é o Clube José do Patrocínio, em Osório, fundado em 1948. Não preciso argumentar sobre o poder simbólico de todos estes tabus e determinismos, mas fica claro que a raiz de todo o racismo está baseado no aviltamento étnico. Baseado na ideia da superioridade ariana. E que no Brasil isso foi muito bem dissimulado com a ideia de democracia racial que buscou a aculturação de negros e índios.

As atrocidades cometidas contra a população negra durante o período colonial jamais devem ser esquecidas. Brutalidades como a poética história narrada na música "Sinhá" do genial Chico Buarque de Holanda. Neste trecho o escravo no tronco diz ao algóz: "Por que talhar meu corpo? Eu não olhei Sinhá. Para que que vosmincê meus olhos vai furar? Eu choro em iorubá mas oro por Jesus. Para que que vassuncê me tira a luz?". No entanto, a grande problematização da questão racial num país em desenvolvimento em pleno século XXI ainda carece de muitas respostas. As ações afirmativas como as cotas são necessárias mas não suficientes. Ações educacionais com foco no rompimento de preconceitos que via de regra é passado por gerações ainda são muito incipientes. Existe sim o racismo no Brasil. Nos nossos dias, este racismo se apresenta de maneira muito velada. Os preconceitos para com a etnia e herança cultural de origem africana são o que deveria transformar o dia da Consciência Negra em dia da "consciência pesada" para a toda a sociedade. Após 1888, a população negra brasileira passou a ser "livre" porém, socialmente excluída. Esta realidade ainda perdura nos nossos dias, se observarmos os indicadores sociais brasileiros, que comprovam a materialização do racismo. Há muito que mudar no Brasil até que possamos comemorar o dia 20 de novembro com uma consciência leve. Enquanto o racismo perdurar, perdurará a luta para estabelecer as diferenças e eliminar as desigualdades.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O avião da cultura


Fui indagado sobre o que entendo de políticas culturais para "ficar criticando" as prefeituras. Isto soou como aquele velho carteiraço: "sabe com quem estás falando?" Muito típico da política coronelista baseada na verticalização social. Aliás, as nossas autoridades deveriam estudar mais a História do Brasil, pelo menos a História recente, para entender e perceber o quanto suas atitudes são retrógradas!

Pois bem! Nunca fui prefeito ou secretário municipal, mas consigo entender que de maneira geral as políticas culturais locais são inexistentes! O que se faz são "eventos culturais". Festas religiosas, apresentações, bailes, rodeios, festivais, etc. Não estou dizendo que eventos não sejam culturais! O que defendo é que os eventos deveriam ser encarados como "parte" de programas culturais e não um fim em si!

Consigo perceber que este tratamento político dado à Cultura é resultante desta cultura política que ainda guarda traços coloniais e imperiais. Realizar eventos, para os agentes políticos é importante e surte mais resultado político em curto prazo (leia-se eleitoral). E "eventos com sucesso de público!". Via de regra, os eleitos prefeitos começam errando já na nomeação do(a) secretário(a) de cultura. Estes, quando muito, são pessoas oriundas da Educação. Não raro são mesmo bons correligionários partidários ou coligados, que entendem de cultura tanto quanto eu entendo de mecânica aeronáutica! Nenhuma empresa aeronáutica séria me colocaria para chefiar o seu setor de engenharia, sendo eu um historiador. Com certeza o avião não cairia, pois nem ao menos decolaria! Já nos municípios, os chefes das áreas culturais, geralmente, nunca conheceram conceitos de cultura, muito menos o que fazer como gestor cultural. É por isso que a cultura não passa de realização de eventos na grande maioria dos municípios. A cultura não decola!

Darei umas dicas, como bom cidadão, às autoridades locais: Procurem os produtores culturais do seu município! Identifique-os e ouça-os! É o primeiro passo para a construção de uma política cultural condizente com o mundo contemporâneo. Substituam este dirigismo e esta fabricação cultural da política de eventos, os quais Vossas Excelências chamam de cultura, por ações culturais construídas com a população produtora e consumidora da cultura local. Nomear um Gestor Cultural como Secretário de Cultura e ouvir os Conselhos Municipais seriam passos essenciais para que o aviãozinho da cultura possa decolar. E para que o avião da cultura não caia, Vossas Excelências devem parar de brincar de rei. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Falta Cultura


É comum ler ou ouvir que o povo é carente de cultura. Mas o que de fato quer se dizer com esta afirmação? Ainda há a ideia de cultura como sinônimo de erudição. Neste caso cultura é confundida com educação formal ou conhecimento enciclopédico. Há também a visão de que cultura se faz apenas com as "belas artes" e de que os apreciadores de ópera, artes visuais e música clássica são pessoas “cultas”. Existe também o olhar antropológico sobre a ação humana de onde surgiram muitos conceitos acadêmicos de cultura. No entanto, muitos querem dizer que ao povo brasileiro falta cultura, ao traçar comparativos com a civilização européia ou estadunidense. Neste caso, a errônea visão evolucionista, superficial e eurocêntrica pela qual a cultura brasileira encontraria-se num estágio evolutivo inferior, atribui significado distinto para a máxima "falta cultura ao brasileiro". Há a clara confusão entre cultura e civilização.

Entretanto, pode-se querer dizer com a frase que faltam políticas culturais. Neste caso, concordaria peremptoriamente! E neste caso, repito, faltam políticas culturais sobretudo por iniciativa dos municípios, onde as coisas realmente acontecem. Ainda mais nos municípios interioranos, onde ainda as políticas culturais são traduzidas como “eventos culturais”. Infelizmente, muitos prefeitos ainda enxergam a área cultural como "área acessória" que, muitas vezes servem apenas para acomodar correligionários. 

Este (des)valor dado à cultura fica evidente quando analisamos os orçamentos dos municípios. É difícil encontrar municípios que invistam mais de 2% de seus orçamentos em cultura. Muitos não investem ao menos 1%, como é o caso dos principais municípios do Litoral Norte do RS. Numa rápida consulta ao site do Tribunal de Contas do RS, constata-se que do total das despesas empenhadas até 30 de setembro de 2013, muito pouco é destinado para a "função cultura". Alguns municípios destinaram zero de recursos para a função cultura, como Torres e Imbé. Porto Alegre, que seria nosso parâmetro de município "culto", investiu 1,37% até agora. 

As Políticas Culturais, de maneira ideal, (que é o que se busca) trabalhariam de maneira transversal e compartilhada, isto é, atuariam conjuntamente com as outras áreas dos governos para incorporar seus "valores" a um serviço público de cidadania total. Infelizmente não veremos tão cedo políticos pensando em cultura integrada, pensando em projetos culturais incorporados nas ações de saúde, de segurança, de educação, de assistência social, etc. Claro que existem as produções acadêmicas e as áreas técnicas nos governos e organizações de maior alcance como Estados, a União e a Unesco, que produzem conhecimentos inovadores. Mas infelizmente, de maneira geral, o discurso é maior que os resultados.

Muitos programas do Governo Federal tem apontado na direção da transversalidade, a exemplo do programa Mais Cultura nas Escolas, que visa integrar a produção cultural local ao processo pedagógico. No âmbito estadual, vemos uma clara "evolução do conceito de cultura" nos discursos e na estruturação dos programas culturais se comparados aos governos anteriores, ampliando as parcerias e convênios, surgindo assim projetos interessantes como o Pontos de Cultura e o Pró-Cultura.

Enfim, fica muito difícil promover programas e projetos culturais locais, articulados com com as esferas superiores, em suas múltiplas dimensões, voltados para uma cidadania plena, enquanto os poderes executivos locais negligenciarem esta área tão importante para a gestão pública. Os números orçamentários assustam até mesmo os céticos da essencialidade das políticas culturais. Neste caso, concordo! Falta cultura aos prefeitos.