sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Falta Cultura


É comum ler ou ouvir que o povo é carente de cultura. Mas o que de fato quer se dizer com esta afirmação? Ainda há a ideia de cultura como sinônimo de erudição. Neste caso cultura é confundida com educação formal ou conhecimento enciclopédico. Há também a visão de que cultura se faz apenas com as "belas artes" e de que os apreciadores de ópera, artes visuais e música clássica são pessoas “cultas”. Existe também o olhar antropológico sobre a ação humana de onde surgiram muitos conceitos acadêmicos de cultura. No entanto, muitos querem dizer que ao povo brasileiro falta cultura, ao traçar comparativos com a civilização européia ou estadunidense. Neste caso, a errônea visão evolucionista, superficial e eurocêntrica pela qual a cultura brasileira encontraria-se num estágio evolutivo inferior, atribui significado distinto para a máxima "falta cultura ao brasileiro". Há a clara confusão entre cultura e civilização.

Entretanto, pode-se querer dizer com a frase que faltam políticas culturais. Neste caso, concordaria peremptoriamente! E neste caso, repito, faltam políticas culturais sobretudo por iniciativa dos municípios, onde as coisas realmente acontecem. Ainda mais nos municípios interioranos, onde ainda as políticas culturais são traduzidas como “eventos culturais”. Infelizmente, muitos prefeitos ainda enxergam a área cultural como "área acessória" que, muitas vezes servem apenas para acomodar correligionários. 

Este (des)valor dado à cultura fica evidente quando analisamos os orçamentos dos municípios. É difícil encontrar municípios que invistam mais de 2% de seus orçamentos em cultura. Muitos não investem ao menos 1%, como é o caso dos principais municípios do Litoral Norte do RS. Numa rápida consulta ao site do Tribunal de Contas do RS, constata-se que do total das despesas empenhadas até 30 de setembro de 2013, muito pouco é destinado para a "função cultura". Alguns municípios destinaram zero de recursos para a função cultura, como Torres e Imbé. Porto Alegre, que seria nosso parâmetro de município "culto", investiu 1,37% até agora. 

As Políticas Culturais, de maneira ideal, (que é o que se busca) trabalhariam de maneira transversal e compartilhada, isto é, atuariam conjuntamente com as outras áreas dos governos para incorporar seus "valores" a um serviço público de cidadania total. Infelizmente não veremos tão cedo políticos pensando em cultura integrada, pensando em projetos culturais incorporados nas ações de saúde, de segurança, de educação, de assistência social, etc. Claro que existem as produções acadêmicas e as áreas técnicas nos governos e organizações de maior alcance como Estados, a União e a Unesco, que produzem conhecimentos inovadores. Mas infelizmente, de maneira geral, o discurso é maior que os resultados.

Muitos programas do Governo Federal tem apontado na direção da transversalidade, a exemplo do programa Mais Cultura nas Escolas, que visa integrar a produção cultural local ao processo pedagógico. No âmbito estadual, vemos uma clara "evolução do conceito de cultura" nos discursos e na estruturação dos programas culturais se comparados aos governos anteriores, ampliando as parcerias e convênios, surgindo assim projetos interessantes como o Pontos de Cultura e o Pró-Cultura.

Enfim, fica muito difícil promover programas e projetos culturais locais, articulados com com as esferas superiores, em suas múltiplas dimensões, voltados para uma cidadania plena, enquanto os poderes executivos locais negligenciarem esta área tão importante para a gestão pública. Os números orçamentários assustam até mesmo os céticos da essencialidade das políticas culturais. Neste caso, concordo! Falta cultura aos prefeitos.

Um comentário:

  1. Muito bem abordado, Antônio. A cultura não é vista como uma necessidade pelos órgãos de gestão pública e dificilmente vimos qualquer forma de incentivo. Essa ideia de falta de cultura do povo brasileiro é uma frase muito mal dita, afinal vai contra qualquer bom senso. Oque realmente está acontecendo é que a chamada "massa" adere cada vez mais a massificação da globalização, o que causa uma certa perda da identidade sua cultural particular. Esse mesmo fenômeno acaba afastando o indivíduo da sua cultura local, somando com o descaso do governo temos uma grande desvalorização do que é produzido aqui. Na minha opinião não falta cultura ao povo brasileiro, mas está se perdendo cada vez mais sua identidade singular, mas isso é uma polêmica que vem desde 68 com a "invasão" da guitarra elétrica e como eu amo a arte antropofágica da Tropicália, criticar isso seria tão absurdo quanto achar que o mundo poderia ser homogêneo com ou sem globalização. Um abraço! ;)

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