sábado, 23 de novembro de 2013

A "consciência humana"


Sim, existe racismo no Brasil. E está muito próximo! Nesta semana da Consciência Negra, circulou nas redes sociais um banner com uma frase atribuída a um padre, que dizia algo parecido com: "Não precisamos de dia da consciência negra, branca, parda, albina, amarela, etc, precisamos de consciência humana". Esta publicação foi reproduzida por milhares de pessoas. Muitas atribuíram genialidade a este absurdo! Talvez sem perceber, prefiro acreditar nisso, estas pessoas estavam negando o direito a um dia alusivo à memória, à história das etnias afro descendentes brasileiras. 

Ora! Quem não lembra, existe por lei o Dia da Imigração Italiana no Brasil, e não vemos em 21 de fevereiro, manifestações generalizantes como esta. Sem falar nas atividades comemorativas das imigrações alemã, açoriana, holandesa, etc. Quem reproduziu a tal afirmação, não percebeu que o Dia da Consciência Negra, não diz respeito a apenas cor da pele. Diz respeito a toda a herança cultural afro-brasileira que nesta data se rediscute, se reapresenta, se revigora, etc. 

As pessoas nem perceberam que a dita frase "genial" está carregada do racismo à brasileira. Racismo dissimulado em generalizações, disfarçado com pseudo homogeneidades, carregado da falsa "democracia racial". Desde os tempos coloniais, o senhorio brasileiro admitia o convívio de negros em algumas circunstâncias sociais, na condição de submissão, claro. A cidadania brasileira, desde os tempos coloniais está baseada nas relações sociais. Isto é, o que importa é o sobrenome, o círculo de amizades, etc. Por isso, na certeza da manutenção de seu status social, o sinhozinho se amancebava com negras, por exemplo, pois não deixava de ser sinhozinho. Em tese e de fato, o sinhozinho era mais cidadão que qualquer negro. Diferente dos países onde a cidadania se baseia no indivíduo, como nos EUA. O racismo historicamente foi muito mais evidente no sentido da segregação social. O fato de um negro circular no mesmo espaço, consumir as mesmas coisas, viver o "sonho americano", torna-se insuportável aos ditos WASP (white anglo-saxon person), neste modelo social. Ser cidadão americano é ser um "igual". O apartheid foi, muito a grosso modo, a radicalização deste modelo social anglo, na colonizada Africa do Sul. 

Voltemos aos nossos dias e à nossa frase! A proposição do "não precisamos de..." já afirma o incômodo com a data, o que denota certa intolerância. Após, ao elencar várias cores, deu a entender que todos são "iguais", há uma certa "democracia racial" na frase. Mas a tal "consciência humana" é realmente uma pérola argumentativa! Como se não houvessem diferenças! Afinal, somos todos humanos! Desta forma, com estes simplismos casuísticos, segue-se dissimulando um racismo velado, porém tão destrutivo quanto qualquer racismo. Basta observar os indicadores sociais para se perceber que a população negra no Brasil continua, majoritariamente, à margem.

As ações afirmativas foram o início, mas falta muito. É preciso educar muito para além da “consciência humana”, mas para uma consciência social. Caso contrário ficará difícil para muitos entenderem que para alcançarmos uma sociedade menos desigual precisamos respeitar e reafirmar as diferenças.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Diferenças e Desigualdades


Dia 20 de Novembro é o dia da Consciência Negra. Dia que na história rememora a morte do líder do Quilombo do Palmares Zumbi, em 1695 traído por seu amigo "Antonio Soares". Juro que não traí o Zumbi! Brincadeiras a parte, alguns historiadores e estudiosos especialistas apontam como verdadeiro herói de Palmares, Ganga-Zumba. Seja como seja, o fato é que a resistência e a organização do Quilombo de Palmares e seu trágico massacre marcaram a história e a cultura do Brasil.

Esta data, na minha singela visão, representa não apenas o dia do "orgulho negro", mas um marco cultural para a sociedade brasileira que ainda não exorcizou alguns fantasmas. Isto fica muito evidente se pensarmos que até 30 anos, muitos clubes "brancos" não aceitavam negros tanto no corpo social como em suas festividades. Exceto os negros que iriam trabalhar ou tocar nas festas e bailes, ainda assim com a expressa proibição de dançar. Certamente por isso muitos clubes sociais formados por negros surgiram, sobretudo em meados do século XX. Exemplo no Litoral Norte do RS, é o Clube José do Patrocínio, em Osório, fundado em 1948. Não preciso argumentar sobre o poder simbólico de todos estes tabus e determinismos, mas fica claro que a raiz de todo o racismo está baseado no aviltamento étnico. Baseado na ideia da superioridade ariana. E que no Brasil isso foi muito bem dissimulado com a ideia de democracia racial que buscou a aculturação de negros e índios.

As atrocidades cometidas contra a população negra durante o período colonial jamais devem ser esquecidas. Brutalidades como a poética história narrada na música "Sinhá" do genial Chico Buarque de Holanda. Neste trecho o escravo no tronco diz ao algóz: "Por que talhar meu corpo? Eu não olhei Sinhá. Para que que vosmincê meus olhos vai furar? Eu choro em iorubá mas oro por Jesus. Para que que vassuncê me tira a luz?". No entanto, a grande problematização da questão racial num país em desenvolvimento em pleno século XXI ainda carece de muitas respostas. As ações afirmativas como as cotas são necessárias mas não suficientes. Ações educacionais com foco no rompimento de preconceitos que via de regra é passado por gerações ainda são muito incipientes. Existe sim o racismo no Brasil. Nos nossos dias, este racismo se apresenta de maneira muito velada. Os preconceitos para com a etnia e herança cultural de origem africana são o que deveria transformar o dia da Consciência Negra em dia da "consciência pesada" para a toda a sociedade. Após 1888, a população negra brasileira passou a ser "livre" porém, socialmente excluída. Esta realidade ainda perdura nos nossos dias, se observarmos os indicadores sociais brasileiros, que comprovam a materialização do racismo. Há muito que mudar no Brasil até que possamos comemorar o dia 20 de novembro com uma consciência leve. Enquanto o racismo perdurar, perdurará a luta para estabelecer as diferenças e eliminar as desigualdades.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O avião da cultura


Fui indagado sobre o que entendo de políticas culturais para "ficar criticando" as prefeituras. Isto soou como aquele velho carteiraço: "sabe com quem estás falando?" Muito típico da política coronelista baseada na verticalização social. Aliás, as nossas autoridades deveriam estudar mais a História do Brasil, pelo menos a História recente, para entender e perceber o quanto suas atitudes são retrógradas!

Pois bem! Nunca fui prefeito ou secretário municipal, mas consigo entender que de maneira geral as políticas culturais locais são inexistentes! O que se faz são "eventos culturais". Festas religiosas, apresentações, bailes, rodeios, festivais, etc. Não estou dizendo que eventos não sejam culturais! O que defendo é que os eventos deveriam ser encarados como "parte" de programas culturais e não um fim em si!

Consigo perceber que este tratamento político dado à Cultura é resultante desta cultura política que ainda guarda traços coloniais e imperiais. Realizar eventos, para os agentes políticos é importante e surte mais resultado político em curto prazo (leia-se eleitoral). E "eventos com sucesso de público!". Via de regra, os eleitos prefeitos começam errando já na nomeação do(a) secretário(a) de cultura. Estes, quando muito, são pessoas oriundas da Educação. Não raro são mesmo bons correligionários partidários ou coligados, que entendem de cultura tanto quanto eu entendo de mecânica aeronáutica! Nenhuma empresa aeronáutica séria me colocaria para chefiar o seu setor de engenharia, sendo eu um historiador. Com certeza o avião não cairia, pois nem ao menos decolaria! Já nos municípios, os chefes das áreas culturais, geralmente, nunca conheceram conceitos de cultura, muito menos o que fazer como gestor cultural. É por isso que a cultura não passa de realização de eventos na grande maioria dos municípios. A cultura não decola!

Darei umas dicas, como bom cidadão, às autoridades locais: Procurem os produtores culturais do seu município! Identifique-os e ouça-os! É o primeiro passo para a construção de uma política cultural condizente com o mundo contemporâneo. Substituam este dirigismo e esta fabricação cultural da política de eventos, os quais Vossas Excelências chamam de cultura, por ações culturais construídas com a população produtora e consumidora da cultura local. Nomear um Gestor Cultural como Secretário de Cultura e ouvir os Conselhos Municipais seriam passos essenciais para que o aviãozinho da cultura possa decolar. E para que o avião da cultura não caia, Vossas Excelências devem parar de brincar de rei. 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Falta Cultura


É comum ler ou ouvir que o povo é carente de cultura. Mas o que de fato quer se dizer com esta afirmação? Ainda há a ideia de cultura como sinônimo de erudição. Neste caso cultura é confundida com educação formal ou conhecimento enciclopédico. Há também a visão de que cultura se faz apenas com as "belas artes" e de que os apreciadores de ópera, artes visuais e música clássica são pessoas “cultas”. Existe também o olhar antropológico sobre a ação humana de onde surgiram muitos conceitos acadêmicos de cultura. No entanto, muitos querem dizer que ao povo brasileiro falta cultura, ao traçar comparativos com a civilização européia ou estadunidense. Neste caso, a errônea visão evolucionista, superficial e eurocêntrica pela qual a cultura brasileira encontraria-se num estágio evolutivo inferior, atribui significado distinto para a máxima "falta cultura ao brasileiro". Há a clara confusão entre cultura e civilização.

Entretanto, pode-se querer dizer com a frase que faltam políticas culturais. Neste caso, concordaria peremptoriamente! E neste caso, repito, faltam políticas culturais sobretudo por iniciativa dos municípios, onde as coisas realmente acontecem. Ainda mais nos municípios interioranos, onde ainda as políticas culturais são traduzidas como “eventos culturais”. Infelizmente, muitos prefeitos ainda enxergam a área cultural como "área acessória" que, muitas vezes servem apenas para acomodar correligionários. 

Este (des)valor dado à cultura fica evidente quando analisamos os orçamentos dos municípios. É difícil encontrar municípios que invistam mais de 2% de seus orçamentos em cultura. Muitos não investem ao menos 1%, como é o caso dos principais municípios do Litoral Norte do RS. Numa rápida consulta ao site do Tribunal de Contas do RS, constata-se que do total das despesas empenhadas até 30 de setembro de 2013, muito pouco é destinado para a "função cultura". Alguns municípios destinaram zero de recursos para a função cultura, como Torres e Imbé. Porto Alegre, que seria nosso parâmetro de município "culto", investiu 1,37% até agora. 

As Políticas Culturais, de maneira ideal, (que é o que se busca) trabalhariam de maneira transversal e compartilhada, isto é, atuariam conjuntamente com as outras áreas dos governos para incorporar seus "valores" a um serviço público de cidadania total. Infelizmente não veremos tão cedo políticos pensando em cultura integrada, pensando em projetos culturais incorporados nas ações de saúde, de segurança, de educação, de assistência social, etc. Claro que existem as produções acadêmicas e as áreas técnicas nos governos e organizações de maior alcance como Estados, a União e a Unesco, que produzem conhecimentos inovadores. Mas infelizmente, de maneira geral, o discurso é maior que os resultados.

Muitos programas do Governo Federal tem apontado na direção da transversalidade, a exemplo do programa Mais Cultura nas Escolas, que visa integrar a produção cultural local ao processo pedagógico. No âmbito estadual, vemos uma clara "evolução do conceito de cultura" nos discursos e na estruturação dos programas culturais se comparados aos governos anteriores, ampliando as parcerias e convênios, surgindo assim projetos interessantes como o Pontos de Cultura e o Pró-Cultura.

Enfim, fica muito difícil promover programas e projetos culturais locais, articulados com com as esferas superiores, em suas múltiplas dimensões, voltados para uma cidadania plena, enquanto os poderes executivos locais negligenciarem esta área tão importante para a gestão pública. Os números orçamentários assustam até mesmo os céticos da essencialidade das políticas culturais. Neste caso, concordo! Falta cultura aos prefeitos.

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Servidor público no fogo cruzado

Muitas vezes ficamos indignados com a organização do sistema político. Claro que é ponto pacífico que o sistema que passa pela política partidária, pelo modelo eleitoral resultando no modelo político institucional dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário perderam a representatividade frente às demandas sociais e frente. Devemos ser críticos, sempre, do sistema político observando o que é de fato vício e o que é factoide.

Mas pretendo tratar nesta semana de um tema que gravita na órbita de todo este emaranhado de interesses: O servidor público! Mesmo sendo suspeito em abordar tal assunto, sinto-me no dever de utilizar este espaço para, grosso modo, fazer algumas ponderações em decorrência do dia 28 de outubro, dia do servidor público.  

É sabido que a dita "vontade política" é substituta da "Gestão" na maioria das instituições públicas. Sendo assim, a falta de vontade política pode significar estagnação de muitas áreas da Administração Pública. De maneira geral, os representantes eleitos, no poder executivo, promovem uma "gestão" baseada em promessas de campanha e favorecimento dos correligionários e afins. Já com vistas no próximo pleito eleitoral, óbvio. Entretanto, existem verdadeiros gestores promovendo administrações impessoais baseadas em resultados sociais de políticas públicas transparentes e sérias, mas é raro encontrar um espaço público que não haja a famigerada "politicagem".

Ao longo dos tempos, a imagem dos servidores públicos foi sendo "intencionalmente" denegrida justamente para "aliviar" a imagem dos agentes políticos mal-intencionados e/ou incompetentes. Quando digo "agentes políticos", incluo os Cargos em Comissão. Os famosos CCs, cuja necessidade é unânime no mundo político. Concordo que os escalões maiores devam ser realmente da confiança do gestor, no entanto discordo das acomodações partidárias e pessoais em cargos públicos, com recursos públicos.

No fogo cruzado entre a força político-administrativas com suas quadrienais campanhas milionárias de marketing eleitoral e os anseios da população bombardeada com o sensacionalismo midiático, está o "funcionário público". É óbvio também que existem os péssimos servidores públicos, estes que geralmente são resultados de apadrinhamentos ou fruto da cultura política da nossa jovem democracia.

Salvo raras exceções como os servidores do Poder Judiciário, por exemplo, podemos perceber que além da negativa imagem de senso comum, este tipo de cidadão ainda goza de muitas outras pechas. As mazelas já muito reproduzidas como a remuneração aviltada, das precárias condições de trabalho, da indignante falta de credibilidade, o servidor público acaba fazendo desagradável papel de interlocutor de ações públicas falidas do estado.


Portanto, ao indignar-se com uma ação política ou com as péssimas instalações de algum órgão público, não culpe o servidor público que está lhe atendendo. Atribua a responsabilidade ao Agente Político que não teve competência para melhorar aquele espaço ou serviço. Fazendo esta leitura política e cidadã, vai auxiliar muito nos próximos períodos eleitorais. 

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Professoras e professores cidadãos

No mês de outubro “comemoramos” várias datas. Dentre elas o dia 15, dia do professor. Nesta semana, foram muitas as manifestações via redes sociais em homenagem ao dia do professor. Muitos textos produzidos por professores, agentes políticos, jornalistas, etc. em torno do fazer pedagógico e da importância de professores e professoras para a formação dos cidadãos. 

No entanto, percebe-se em muitos deste texto, geralmente de pessoas de outras áreas de formação, uma confusão sobre o fazer pedagógico. Há, visivelmente, a confusão generalizada do que realmente é o papel destes profissionais do ensino. Confunde-se a educação formal com a educação social, aquela “que vem da família”, aquela que forma valores sociais imprescindíveis para o convívio em sociedade, que forma pessoas tolerantes, compassivas, altruístas, gentis, etc.

A educação formal “apenas” produz ou deveria produzir sujeitos com capacidade de apropriação de conhecimentos, preparados para o grande “mundo” e com habilidades e competências para inferir socialmente a partir da produção desses conhecimentos. Professor não forma a índole dos sujeitos. Pode inspirar, no máximo!

Há uma confusão muito antiga, que gerou ou continua gerando a ideia de que o professor deve educar desde a formação social, ensinar os alunos a serem socialmente educados. Mas, via de regra, talvez por influência desta confusão, é o que de fato ocorre em nossas escolas! Crianças e jovens sem noção alguma de convívio em sociedade caem num sistema educacional formal e ainda tradicional, demandando dos profissionais que lá estão um saber pedagógico para além da Pedagogia. Os profissionais do ensino são compelidos a serem os tradicionais mestres da antiguidade, desempenhando um papel de formação social total. A paideia dos gregos na antiguidade. Uma formação que abarca desde a regulação até a emancipação. Ou seja, ensinam os alunos a se comportarem em sociedade (regulação) e a pensarem a sociedade (emancipação). Talvez esta seja, paradoxalmente, a grande mazela e o grande desafio da educação brasileira. Mazela por levar os problemas sociais para a escola e desafio por demandar soluções educacionais para estes problemas sociais manifestados na escola. 

De fato, as missões das professoras e dos professores não são poucas. Pois estes são pais e mães de em média uns duzentos alunos que conhecem pelo nome, sabem da condição social da maioria, ajudam com problemas familiares de outros, são exemplos para poucos, mas acabam ensinando um pouco da vida para todos. Diante do aviltamento salarial, das sucessivas gestões equivocadas, do atraso do estado frente ao mundo contemporâneo, mesmo diante de todas as mazelas apontadas diariamente entorno do mundo escolar, o que podemos comemorar? Comemoremos a entrega diária destas cidadãs e destes cidadãos com “C” maiúsculo.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

Programático não, pragmático!

O assunto do momento é o não registro da Rede Sustentabilidade e a posterior filiação de Marina Silva ao PSB, Partido Socialista Brasileiro. Certamente muitos brasileiros, a maioria eu diria, passaram indiferentes ao acontecido. No entanto, no meio político, a surpresa foi grande. O fato da Rede Sustentabilidade ter o seu registro negado pelo TSE parecia ser a grande notícia deste final de ano, no meio político. Pois todos sabem que a grande votação da ex-senadora Marina Silva na última eleição, proporcionou um segundo turno entra Dilma e Serra.

No cenário político atual, as coisas são diferentes. A presidenta Dilma está em pleno exercício de seu cargo e gozando de uma crescente aprovação do governo após a queda desses indicativos nos meses junho e julho, em função das ondas de manifestações. Aécio Neves, candidato pelo PSDB, está se posicionando como o representante das fatias sociais patronais e conservadoras enquanto o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, saído da base do governo, vem arregimentando fatias pertencentes aos campos políticos de Dilma e de Aécio, como por exemplo os ex-DEM que recentemente aderiram ao seu partido. 

Marina Silva e sua Rede Sustentabilidade seriam realmente o grande diferencial para o pleito de 2014. Poderiam fazer a diferença tanto no discurso como na práxis política. Mas, infelizmente, o que se viu foram os ideais suplantados pelo pragmatismo político. A filiação de Marina ao PSB foi pragmática, e não programática. Ela, em sua coletiva, escorregou nos conceitos e entregou o contexto! A composição na chapa de Eduardo Campos, ou talvez a própria Marina venha encabeçar a chapa, visto que seus índices de intenção de voto são superiores ao de Eduardo, é típica do falimentar sistema político brasileiro que é baseado em coalizões pragmáticas que visam a tal governabilidade ou o mero sucesso eleitoral. A realidade se distancia muito do ideal. Este pragmatismo, se distingue muito das coligações programáticas, nas quais existem entre os grupos coligados afinidades de programas ideológicos. 

Muito embora, no mundo contemporâneo, mundo cujo o tempo é o de mercado, atribuir a alguém o adjetivo de “pragmático” é, sem dúvidas, um elogio, a coisa muda para o mundo político. Quando se lida com visões de mundo, quando se necessita ter a fidelidade a sua ideologia à frente de todos os adjetivos e qualidades, que é o caso da política (ou deveria ser!), o adjetivo pragmático é um xingamento! Mas de tão comum esta prática política que o tal xingamento nem chega a ofender.

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Direitas, centros e esquerdas: Eis a questão!

Muitas vezes se ouve alguém falando, em espaços privilegiados ou numa roda de conversa, que não existem mais direita e esquerda na política brasileira. Não raro esta afirmação aparece explicita ou implicitamente nos jornais e tele jornais. Embora a origem dos termos remetam à França do final do século XVIII, período revolucionário, ainda faz muito sentido no que tange ao posicionamento político-ideológico das pessoas frente aos assuntos de cidadania.

Os termos, direita e esquerda, nasceram durante a Revolução Francesa (1789), e distinguiam os membros da Assembleia Nacional. Os favoráveis ao regime monárquico sentavam-se a direita do presidente da Assembleia enquanto os partidários da revolução, os republicanos sentavam-se à esquerda. Ao longo do tempo, esta disposição permaneceu para distinguir as posições política frente ao status quo. Já em meados do século XIX, os termos "direita", "esquerda", "centro", "extrema direita", "extrema esquerda", "centro-esquerda" e "centro-direita" era utilizado para as distinções dos posicionamentos ideológicos das pessoas e/ou de grupos organizados em partidos e facções políticas. Quanto mais à direita, mais conservador e quanto mais à esquerda mais progressista. Percebam que existem partidos de matriz direitista que adotam as nomenclaturas de esquerda como "progressista", "popular", "socialista", "social democrata", etc. Ora! Não seriam eleitos os políticos pertencentes a um "PEDB - Partido Elitista Conservador Brasileiro"!

Mas e hoje? Quem é quem? Lembro agora, de uma frase cuja autoria não lembro, que diz que quando alguém pergunta ou afirma não haver mais distinção entre direita e esquerda, certamente não é de esquerda! O fato é que através da história, sobretudo após a Segunda Guerra Total, as personalidades representantes do pensamento de direita passaram a negar as distinções enquanto a História contada sob a ótica de esquerda, reafirma as distinções.

No Brasil, antes do Golpe Militar de 1964, o quadro político era bem definido. A UDN, União Democrática Nacional, era o maior partido de direita , o PSD, Partido Social Democrático, partido que reunia muitas personalidades de centro e o PTB, Partido Trabalhista Brasileiro, criado por Getúlio Vargas, que reunia muitos políticos de centro-esquerda e de esquerda. Mas há que se dizer que já havia os partidos de extrema direita como os Cristãos assim como já havia no Brasil os partidos comunistas e facções socialistas de extrema esquerda. Com o AI-2, da Ditadura Civil Militar, institui-se o bipartidarismo, ficando toda a direita política brasileira reunida na ARENA, e as esquerdas divididas em grupos clandestinos ou filiada ao MDB, numa postura de oposição consentida pelo Regime Militar. Hoje, com o pluripartidarismo, a ARENA, se dividiu em PDS e PFL que hoje são o PP e o DEM. E o MDB dividiu-se em vários partidos de centro, centro-esquerda e até esquerda.

Muito basicamente, podemos dizer que os partidos brasileiros defensores da redução da atuação do estado, ou seja, aqueles que acreditam na redução de programas governamentais inclusivos, defendem a redução da carga tributária patronal, são partidos de aspirações direitistas. Os partidos que pregam reduzir as desigualdades através do aumento da atuação estatal, seja regulando o mercado e sobretudo atuando diretamente por meio de programas sociais inclusivos, são partidos de aspirações esquerdistas, já que representam as classes sociais menos favorecidas. Portanto, assim fica óbvio que ainda existem as direitas e esquerdas políticas no Brasil. Ao contrário da falsa homogeneidade da "classe política" explorada pela grande mídia, que intencionalmente busca uma confusão entre o problema sociocultural que é a corrupção com matriz ideológica, a política brasileira está recheada de direitas, centros e esquerdas. Resta saber distingui-los e posicionar-se!


sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Ironia da Democracia

Se ainda há dúvidas sobre nossa democracia, estas dúvidas devem ser minimizadas diante do discurso na ONU da presidenta Dilma Rousseff e da visita da Comissão da Verdade ao prédio onde funciona 1° Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, onde nos anos da Ditatura Civil Militar, funcionou um DOI-Codi, fatos ocorridos nesta semana.

Os DOI-Codi (Departamento de Operações de Informações - Centro de Operações e Defesa Interna), eram órgãos vinculados ao Exercito e foram criados com o objetivo de repressão às organizações de esquerda, mais especificamente às organizações da esquerda armada. Durante o período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), não somente a esquerda política, mas todos setores formadores de opinião da sociedade brasileira sofreram alguma forma de repressão. No meio científico o termo Terror de Estado foi difundido para designar as práticas repressivas praticadas pela institucionalidade em regimes de exceção, ou seja, na ausência do estado de direito. Vale lembrar que nem toda a esquerda brasileira pegou em armas durante a ditadura. Entretanto, muitos perderam a vida ou parte dela nos porões da ditadura simplesmente pelo fato de militar ou se auto proclamar de esquerda.

O fato do Brasil ter criado em Comissão da Verdade e os trabalhos estarem redundando em investigações que buscam estabelecer a verdade com relação aos crimes cometidos durante aquele período, não apenas os casos mais famosos como os casos ex-presidentes João Goulart e JK, como filho da estilista Zuzu Angel, Stuart Angel Jones dirigente do MR-8, o do jornalista Vladmir Herzog, etc., mas das pessoas comuns que foram mortas ou sofreram alguma ação terrorista por parte dos órgãos de repressão. A ideia de se formar centros de memória nos lugares onde se praticou torturas ou funcionou orgãos que implementaram os mecanismos de repressão social, ou o Terror de Estado durante os anos de chumbo, é indubitavelmente um avanço democrático que demonstra que nossa sociedade poderá conviver com esta verdade exposta em museus. Descobrir que talvez o militar que dá nome a sua rua pode ter promovido verdadeiras horas de terror a outras pessoas, pode ser uma experiência muito mais cidadã que se imagina.

Na época da ditadura, crimes terríveis contra a vida e de lesa-pátria foram praticados em nome da Segurança Nacional. O engraçado, e por ironia do destino, ou melhor, por ironia da democracia, uma ex-presa política e torturada naqueles porões nefastos, de esquerda, discursa na abertura da Assembléia das Nações Unidas - ONU, como chefe de estado, e coloca as práticas de espionagem dos EUA em xeque em nome da Soberania Nacional. Justamente aquele país, cujas praticas de espionagem contribuíram para empurrar quase toda a América latina, na segunda metade do século XX, para ditaduras militares.  

domingo, 15 de setembro de 2013

Falta crítica de fato

Observando o comportamento do índice oficial que mede a inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, fiquei muito intrigado. Não sou economista, por isso vou utilizar termos que todos entendem! O que me intriga é que os especialistas dos grandes jornais e os telejornais das grandes emissoras de televisão estão, desde o início do ano, monitorando cada medição deste e de outros índices de inflação, sustentando que "a inflação voltou" ou até que está aumentando de maneira incontrolável. Fico mais intrigado ainda quando percebo que setores específicos da sociedade brasileira como a classe patronal industrial, a oposição política ao atual Governo Federal, a grande parte da classe média alta e classe alta do nosso país estão alardeando uma crise econômica que o País não vive.

As manchetes beiram a comicidade se não fosse um assunto tão sério. Uma, por exemplo, diz que o FMI reduziu a previsão de crescimento do Brasil de 3% para 2,5%, ou algo parecido. Ora! Todos sabem que aquele órgão internacional é devedor do Brasil, e que se o País entrasse de fato numa crise, seria um ótimo momento de renegociação. Outra manchete diz respeito a desaceleração da geração de emprego no trimestre vinculando a queda da perspectiva do crescimento do PIB. Ora! Desde sempre estes índices se comportam variavelmente de acordo com a época do ano, isto é, de maneira sazonal.
Pois bem! Não quero rebater aqui todas as manchetes sensacionalistas, especulativas e claramente tendenciosas dos grandes veículos de comunicação. 

Mas fico realmente irritado com gigantesco boicote ao País em nome de um projeto de retomada do poder. Pois é assim que vejo! Estes setores da sociedade que num passado não muito distante se beneficiaram das crises que quebraram economicamente o Brasil, hoje estão saudosistas do tempo daquela enorme desigualdade. O que acontece é uma propagação de informações truncadas e fora de um contexto amplo, no intuito claro da promoção eleitoral de 2014. Penso que existem limites que não poderiam ser ultrapassados. Não se pode "brincar" com a estabilidade econômica do País em nome do jogo eleitoral escancarado! Quem está interessado em pesquisas de intenções de voto para presidente faltando mais de 1 (um) ano da eleição? E porque os números da aprovação do Governo Dilma Rousseff são sistematicamente divulgados?

Fico muito intrigado não só com as afirmações de grandes mídias que procuram evitar a contextualização maior, mas com aquilo que evitam mostrar. Evitam dizer, ´por exemplo, que comparando os números de inflação, do crescimento, da geração de empregos, entre o Brasil e os países desenvolvidos, vemos o quanto nosso sistema econômico está passando ao largo de toda a crise do capitalismo mundial de maneira tão invejável que a espionagem teve que ser utilizada pelos EUA para fazer frente ao nosso crescimento.

Enquanto o jogo político feito pelas grandes redes e corporações destinado apenas a tomada do poder, jogo este que vibra numa frequência muito baixa, uma crítica mais aprofundada  ao modelo econômico brasileiro é negligenciada. Eu diria que uma crítica com maior foco no aspecto estrutural do que no conjuntural deveria ser produzida pelos especialistas. Creio que seria muito mais edificante, lógico e compreensível para toda a população brasileira.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Prevenir é melhor que remediar

Ao ler e assistir em telejornais notícias sobre a celeuma gerada com a vinda de médicos estrangeiros por meio do Programa Mais Médicos do Governo Federal, me despertou a memória de assuntos que estudei sobre Sociologia e Antropologia na graduação em História. Claro que não pretendo esgotar o assunto, mas apenas evidenciar um aspecto sociológico que talvez, nos jornais e certamente nos telejornais, não seja discutido.

Já utilizei o excelente texto de Lima Barreto e sua definição de "Nobreza Doutoral" para ilustrar o argumento de que os médicos, de maneira geral, ainda gozam de um status social aristocrático no Brasil. Venho sendo repetitivo em afirmar que nossa cultura, sobretudo a política, é marcada pelas lembranças sociais do período colonial e monárquico. Mas, diante de uma realidade tão complexa, lembrei dos textos do sociólogo português Boaventura de Souza Santos. De acordo com esse grande pensador contemporâneo, o chamado "projeto moderno", constituído a partir da Revolução Francesa, se assenta sobre dois pilares: O da regulação e o da emancipação. O pilar da regulação, por sua vez, tem suas bases em três princípios: princípio de estado, princípio de mercado e o princípio de comunidade. O pilar da emancipação tem suas bases em três racionalidades: do direito, da arte e da ciência. Numa síntese grosseira de minha parte, Boaventura defende que enquanto os pilares mantivessem equilíbrio entre si, equilíbrio dos princípios regulatórios e das racionalidades emancipatórias entre si, o projeto moderno seria o perfeito modelo iluminista para desenvolvimento de uma sociedade igualitária, libertária e fraterna. Mas é quando o capitalismo que surge como sistema socioeconômico totalizante que perverte todos princípios e racionalidades, produzindo a hipertrofia e colonização do princípio de mercado sobre os outros e o avanço da racionalidade da ciência sobre as outras, e consequentemente causando o crescimento exagerado do pilar da regulação sobre o pilar da emancipação. O resultado, desculpem-me pelo sintético grosso modo, em termos sociológicos, é uma sociedade que vive sob a égide do princípio de mercado cujas as racionalidades tornaram-se dogmáticas e utilitárias.

Bem, voltando ao caso da medicina, como todos os outros ramos das ciências, tornaram-se mercadoria oferecida na rede educacional como num mercado, numa lógica utilitária que afirma que ser médico, professor, engenheiro, não é questão vocacional e sim uma questão de colocação num mercado de trabalho e status social. Mas o que me preocupa é que a medicina, assim como as licenciaturas, etc, são áreas que têm grande interesse pelo seu caráter público. Portanto estas áreas deveriam ser regidas pelo princípio de estado. Deveriam! Mas o que se percebe é que a  maioria dos médicos, os conselhos e sindicatos médicos estão preocupados com o mercado que estão perdendo com a intervenção do Governo Federal através do Programa Mais Médicos. A classe médica em geral está protestando justamente contra a desacomodação provocada pela vinda de médicos formados numa outra lógica: a lógica da medicina preventiva que ameaça todo o mercado da medicina curativa e a indústria farmacêutica.

Certamente os médicos cubanos que virão para os longínquos interiores deste País vão praticar a medicina preventiva onde não há muito mercado para a medicina curativa devido ao baixo poder aquisitivo dos "clientes" e a distância dos grandes centros de consumo. Desde muito antes do "Mais Médicos" o slogan de um conselho de medicina é "...não se faz saúde sem médicos." numa clara alusão ao fato que há poucos médicos e que os médicos são importantes para as políticas públicas em saúde. Agora, este discurso está em constante metamorfose. Já passou pela dificuldade de comunicação dos médicos estrangeiros, pela falta de estruturas para atendimento no interior, passou pelas questões legais de validação dos diplomas dos médicos estrangeiros, já argumentaram que a forma de contratação fere os direitos trabalhistas, mas antes já disseram que R$10 mil mensais seria como um regime de escravidão, etc. Isso é preocupante pois o discurso dos conselhos e sindicatos da classe agora é que faltam leitos e hospitais.

Talvez o que se venha a descobrir com os médicos estrangeiros, sobretudo os cubanos, é que não faltam médicos e nem infra estrutura, mas medicina preventiva por parte dos médicos brasileiros. Talvez venhamos a descobrir que prevenir é melhor que remediar.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Sindicalismo e o Populismo

Foi eleita a nova diretoria do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Osório – SSPMO que tomou posse dia 19 deste mês de agosto, dia da votação. Depois de uma longa sucessão de reeleições da gestão anterior, ocorre a vitória da chapa de oposição. Parabenizo a nova diretoria e ao mesmo tempo venho refletir sobre este aspecto político de nossa sociedade.

A situação do SSPMO se assemelha, de maneira geral, a situação da maioria dos sindicatos do Brasil. Por um lado muito vinculados a política partidária e por outro lado amarrados aos benefícios financeiros e locupletamento pessoal na função sindical, repito, isso de maneira geral.

Os sindicatos, não apenas no RS mais em todo o País vêm passando por uma crise que remete a sua gênese. Os sindicatos em sua essência estão muito vinculados ao populismo característico do período histórico que legalizou a atividade sindical no Brasil: A "Era Vargas". Muito conhecida nos livros didáticos, o período de 1930-1945 que Getúlio Vargas governou por meios autoritários e ditatoriais, transformou o Brasil em praticamente todos os aspectos. Os sindicatos, neste período, tiveram sua institucionalização porém de forma tutelada pelo governo. Tinham, na visão do governo da época, a tarefa de conciliar os interesses entre a classe trabalhadora e a classe patronal. Aliás, esta é uma das maiores características do populismo, além do líder carismático que se comunica com as massas, as concessões paternalistas e governo autocrático, a conciliação entre as classes é requisito para que possamos atribuir o status de populista a um ou outro governo. Fala-se em governos neo-populistas na América do Sul, mas isto já é outra história!

Os sindicatos, desde então, vêm adquirindo colorações de diversas matizes e se constituindo enquanto movimento político social heterogêneo. Isto é, uma gama muito diversa de origens somaram-se aos discursos e ações sindicais formando assim diversas correntes de pensamento dentro do movimento. No entanto, a grande maioria das organizações sindicais, sobretudo as do interior do País, ainda praticam aquela velha política sindical paternalista que visa a conciliação entre as classes de maneira cooptativa. Um benefício para um grupo ali, outro favorzinho aqui, etc. A conhecida fórmula do "toma lá, dá cá"!

Mas os sindicatos não servem para intermediar as negociações entre as classes? Sim! Mas devem fazer isso de maneira plural, transparente, com vista a um projeto maior, que no caso dos sindicatos dos servidores públicos de todo o Brasil, devem objetivar um serviço público de qualidade. Na minha modesta visão, o serviço público de qualidade não depende apenas da obra e materiais de primeira linha, mas depende também de profissionais qualificados e atuando com excelência em suas funções, com condições de trabalho adequadas para que o serviço prestado tenha igualmente grau de excelência. Desta forma o objetivo do sindicato é sempre, ou deveria ser, a máxima qualificação do resultado do trabalho do sindicalizado.

A triste realidade é que a grande maioria dos sindicalistas neste país apenas se utilizam de cargos sindicais como trampolim político e/ou para alçar vantagens pessoais em função de suas posições. Assim, infelizmente, os movimentos políticos de origem social como os sindicatos, que deveriam promover a oxigenação política nos partidos, nos governos e parlamentos, sucumbem diante da força do capital e da sedução que o poder econômico exerce sobre seus membros para que permaneçam praticando o velho e surrado populismo de Vargas.  

Discurso e Poder

O Litoral Norte do Rio Grande do Sul recebeu a ilustre visita da Presidenta Dilma Rousseff pela ocasião da inauguração do Campus do Instituto Técnico Federal em Osório. Estive presente na solenidade e me ocorreu de escrever sobre o poder do discurso, não somente na política, mas sua influência no social.

Fique claro que não pretendo fazer defesas acerca dos conteúdos partidários dos discursos proferidos naquele ato solene. Me cabe apenas analisar a ritualística e as nuances de poder que revestiram os discursos. É lógico que mesmo se tratando de um ato político oficial, os discursos tem uma carga ideológica característica da política brasileira.

Lembrei o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) que diz em sua obra, a grosso modo, que o poder adquiri maior eficácia quando institucionalizado porém, as relações de poder podem ser percebidas cotidianamente, manifestadas de maneira capilarizada ou menos centralizada através do discurso. O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), afirma que o discurso político assume caráter de legitimidade de acordo com o poder simbólico a ele atribuído. No evento em questão o caráter solene, obviamente, carrega os discursos de um "poder simbólico" em função da representatividade, não somente dos cargos, mas pelo contexto social em que o evento, reunindo tantas autoridades, está inserido. Adquire também a eficácia de poder pois é altamente institucionalizado, pois reuniu as três esferas em suas representações máximas: os prefeitos da região, o Governador do Estado e a Presidente da República. Assim, o simbolismo de poder que o ato solene adquiri diante da sociedade é claro, não somente pelo aparato de segurança nacional instalado.

Em todo o discurso existe o que é evidenciado e o que é ocultado. Isto é, o que se diz e o que não se diz! Óbvio, não? Nem tanto quando nos deparamos com autoridades políticas que procuram, através de seus discursos, afirmar-se no campo político e que para isso é necessário evidenciar certos aspectos e ocultar outros! O que absolutamente normal e faz parte do nosso cotidiano também, pois ninguém em sã consciência sai por aí dizendo tudo o que pensa. Existem ocasiões que não nos é possível dizer o que nos vem à mente e outras que nos exige posicionamentos que desagradam alguns. Isto é praticado exaustivamente pelos agentes políticos, pois estes dependem do "poder simbólico" atribuídos a sua imagem. E constantemente seus discursos podem e serão utilizados para a construção ou para a destruição de sua "imagem política".

Enfim, para os que fazem uma leitura antropológica da política, não é de se estranhar, por exemplo, quando os discursos assumem caráter reivindicatório, como o do prefeito de Osório, solicitando maior apoio para custeio das estruturas inauguradas através de parcerias, ou quando os discursos assumem um tom de defesa e afirmação, como o do ministro da educação, que em resposta e em defesa da instituição que representa, afirmou que o custeio das estruturas federais, como o Campus Osório do IFRS, são exclusivamente por conta do Governo Federal.
A presidenta Dilma, assim como todas as outras autoridades, cumpriu todos os ritos que a formalidade lhe exige. Entretanto, ao defender, em seu discurso, a destinação de 100% dos royalties do petróleo extraído do pré-sal para a Educação, ao desmistificar o alardeado retorno da inflação, afirmando que está sob controle, ao relacionar a desaceleração da criação de novos empregos com outros períodos históricos, e que justamente a diferença do cenário histórico é que é o grande diferencial, a presidenta reconheceu que seu discurso é carregado de "poder simbólico" e que, embora estivesse no Litoral Norte do RS, em Osório, ela falava à nação como um todo.

Ao direcionar seu discurso para setores específico da sociedade brasileira, Dilma assumiu um tom discursivo de campanha eleitoral? Aos olhos deste observador, não! A presidenta apenas assumir um discurso em defesa da instituição que representa! A Presidência da República.

terça-feira, 6 de agosto de 2013

Transparência não é BigBrother

É pauta recorrente nos meios de comunicação a transparência de governo. A lei da transparência e de dados abertos é uma realidade no campo jurídico e político. No entanto, ainda há dificuldades dos agentes políticos em implementar seus mecanismos de transparência como os "Portais de Transparência". A legislação é clara em alguns aspectos como, por exemplo, quando afirma que os dados devem estar dispostos de maneira acessível e de fácil compreensão para o cidadão. Mas a legislação é omissa quanto a quais dados devam ser divulgados, como por exemplo, a polêmica relação de salários dos servidores públicos. Não vamos aqui entrar nos méritos legais como nas análises mais técnicas, vamos apenas tratar sobre o aspecto social da necessidade de transparência de governo.
Venho escrevendo muito sobre a cultura política brasileira nos últimos meses. O fato de termos uma sociedade muito influenciada pelas permanências sócio-políticas dos períodos colonial e monárquico, contribui muito para não termos uma tradição democrática mais participativa e transparente. É muito mais lógico para o governante (de maneira geral) tomar decisões de maneira autoritária e planejar (quando há planejamento) de maneira autocrática.
A grosso modo, os órgãos públicos, sobretudo as prefeituras no interior, se assemelham muito a pequenas monarquias. O modus operandi é praticamente o mesmo, tanto do próprio prefeito quanto o comportamento das assessorias. É clara a certeza de que a vontade do "primeiro mandatário" do município é mais importante que a vontade dos demais. Numa perspectiva democrática, o prefeito não é nada mais que um cidadão a serviço dos outros. Mas a sociedade de maneira geral não o vê dessa forma.
Neste contexto, a transparência de governo nas prefeituras interioranas fica condicionada à vontade do prefeito. A divulgação dos dados das contas públicas, sobretudos as informações sobre a folha de pagamento, são encaradas como uma subversão desta ordem social, pois afronta diretamente o "mandatário". Como se colocasse o prefeito sob suspeição!
No entanto, infelizmente, estamos passando por um período de excessos do senso comum de matriz liberal sob a égide do pensamento capitalista. Isto é, passamos por um período de transição que mistura a política autoritária com o industrialismo da era moderna e as fortes influências do desenvolvimentismo dos anos 1970. O resultado disso é visto nos órgãos públicos burocratizados abarrotados de papéis com enfoque nas obras, nos aspectos quantitativos, etc. A eficiência é justamente o oposto: o foco na qualidade, na minimização dos recursos para execução do trabalho e, sobretudo, a superação do modelo industrial.
A grande polêmica deste assunto é o tratamento dado na divulgação dos salários dos servidores públicos. Isto realmente desacomodou as pessoas envolvidas, ou seja, os servidores públicos de maneira geral são contra ao que preconiza o STF. Divulgar os salários associados ao nome de cada servidor, na minha opinião é um excesso daquele senso comum. Pergunto qual é a necessidade do cidadão em saber quanto percebe cada servidor público? Creio que a necessidade do cidadão é saber quanto os órgãos públicos gastam com salários. Mas o maior argumento dos que defendem a exposição pública da folha de pagamento dos servidores é o que estes são pagos com recursos públicos, portanto o povo tem que ter acesso. Pois bem! Muitas empresas trabalham exclusivamente para os governos, portanto a origem dos recursos do gasto com pessoal destas empresas também é pública! Mais ainda: as empresas que detêm concessões públicas como as que exploram o transporte coletivo, as telecomunicações, etc, tem a origem de seus recursos em atividades concedidas pelo poder público! Na lógica de senso comum, os salários dos funcionários destas empresas deveriam ser divulgados!
Não podemos transformar a transparência numa espécie de BigBrother. Acessar informações das individualidades não interessa para a coletividade. O que importa para o exercício da cidadania é entender sobre os gastos públicos, o que infelizmente 95% da população desconhece. E mais infeliz ainda é o fato de, no Brasil, como dizem, "a corda sempre arrebenta do lado mais fraco", e o servidor público concursado vai ter seus contracheques publicamente expostos para que os escandalosos contracheques dos agentes políticos e dos magistrados não sejam o foco das atenções.

A Burocracia da Informação

Não é incomum encontrarmos nos jornais, no rádio, na televisão e em placas das obras públicas, a exibição de números das gestões públicas. Estas placas contendo apenas os valores gastos numa ou noutra obra, ou numa função de governo, torna a informação descontextualizada e inócua. “O Governo Y investiu 30 milhões de reais em Educação no ano de 2012” é um exemplo típico de anúncio publicitário dos governos. Mas o leitor pode (e deve) querer mais informações sobre a gestão pública! Isto é possível acessando o Portal Transparência do seu Município, do Estado ou da União. Nestes portais, temos informações organizadas de fácil manuseio. Mas o leitor mais exigente, pode querer acessar uma análise técnica de todas estas informações que lhe diga como estão se saindo os agentes políticos com a gestão dos recursos públicos. Aí é que a informação se torna burocrática e de difícil entendimento, tanto para o cidadão quanto para os próprios agentes políticos, tornando a comunicação entre ambos assimétrica.

Existem vários fatores que contribuem para esta “assimetria informacional” (termo utilizado pelo prof. Valmor Slomski), que podem ser apontados facilmente. Mas vamos falar aqui apenas de um fator que contribui para dificultar o controle social sobre a administração pública. Me refiro a complexa burocracia que transforma as instituições públicas em verdadeiros emaranhados de normas e sub-normas, processos e subprocessos, rotinas e sub-rotinas, etc.

Historicamente a burocracia, termo que deriva da palavra bureau, que na França significava, inicialmente uma espécie de tecido que iria sobre as escrivaninhas, posteriormente passou a designar os móveis e com o passar do tempo designando os próprios escritórios. Embora o termo tenha surgido anteriormente, mas é após a Revolução Francesa em 1789, quando se instituiu o modelo republicano, que o conceito de burocracia (buro [bureau=escritório] + cracia [kratos=poder]) tem sua utilização e estudo intensificados. Neste período, a França passou por intensas transformações político-culturais, sobretudo no tratamento do patrimônio público. E a partir desta quebra de paradigmas que as normas para utilização dos bens, que antes eram do Rei, passaram a ser muito mais metódicas no intuito de proporcionar a universalização e o controle do uso dos bens, que passaram a ser públicos.

Mas como já escrevi outro dia, os fenômenos históricos não ocorrem de maneira estanque! Tampouco ocorrem de maneira planejada! A burocracia nasceu para proporcionar maior controle sobre aquilo que é público, inibir a corrupção, etc. Mas como a cultura política de uma sociedade não se transforma da noite para o dia, a burocracia se transformou num apêndice do ethos político aristocrático remanescente do Antigo Regime. Isto é, tornou-se, com o passar dos séculos, num instrumento que dificulta o acesso do cidadão aos bens públicos e informações. Tornou-se no seu contrário! O que acaba beneficiando a corrupção devido a falta de controle social sobre as ações públicas.

As informações da gestão pública são igualmente bens públicos que sofrem a ação burocrática. Se o leitor quiser conferir o que é um relatório burocrático, basta acessar o site da prefeitura do seu Município e procurar os relatórios obrigatórios pela Lei de Responsabilidade Fiscal, como o Relatório Resumido da Execução Orçamentária - RREO e o Relatório da Gestão Fiscal – RGF. Estes relatórios são de difícil entendimento até mesmo para profissionais de nível superior que não estejam habituados a manuseá-los.


Contudo, percebe-se que as legislações nascidas como “leis cidadãs”, como a Constituição Federal e a Lei de Responsabilidade Fiscal produzem grandes dificuldades quando o assunto é informações da gestão pública à população. O que, repito, dificulta o controle social! Enfim, se quisermos realmente dar um basta na corrupção política no País temos que, além de promover uma Educação construtora de cidadania, exigirmos mais dos gestores e de nós mesmos em busca de melhor entendimento destes relatórios técnicos.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

O poder simbólico do transporte

Não é incomum ver as rodoviárias e paradas de ônibus lotadas, os ônibus igualmente lotados e, por outro lado, as ruas repletas de automóveis circulando e os pátios das lojas abarrotados de automóveis a venda. Mas será que a expansão demográfica é tão grande a ponto de transformar as estruturas de mobilidade das cidades obsoletas? Será que o incentivo ao consumo e a indústria automotiva são realmente o principal fator para "crack" na mobilidade, sobretudo nas grandes aglomerações urbanas?

Certamente este é um tema de muitas pesquisas acadêmicas, nas mais diversas disciplinas, que buscam as respostas para estas e outras questões com referência ao trânsito. No entanto, aqui vou abordar o aspecto simbólico de tudo isso. Talvez o leitor chegue a conclusão, assim como eu, de que este é o principal fator a ser modificado para melhoria do transporte público no Brasil.

É de conhecimento público e não precisa ser expert em ciências sociais para saber que o brasileiro adora o carro! Mas é necessário um pouco mais de leitura para saber que o carro adquiriu um significado simbólico através do tempo. Há estudos que atribuem uma condição erótica ao automóvel. Isto mesmo! O carro como um signo de masculinidade e, seu oposto, feminilidade. Faz sentido se observarmos como se trata e utiliza o carro em busca aprovação entre os pares e na estratégia de sedução.

Mas é sabido também que o automóvel é signo de status social. Quanto mais atual, tecnológico e de elevado valor econômico, tanto mais o carro simboliza a ascensão social do seu dono. Faz parte dos objetivos pessoais e profissionais do ocidental em geral: Ter um boa fonte de rendimentos, uma boa casa e um bom carro. Este "sonho" constitui o imaginário social, que forma a ideia, entre outras, de que o sucesso profissional passa pelo transporte exclusivo, inserido na lógica exclusiva do capitalismo. Daí a comum imagem dos centros urbanos congestionados de carros apenas com o motorista no seu interior. Assim, quando eu utilizo o meu carro para trabalhar, para me locomover pela cidade, etc., e quanto mais valor econômico agregado ao bem, mais sucesso é a mim atribuído.

E o transporte público!? Este simboliza o oposto do automóvel. Se o carro é sucesso, o ônibus é fracasso! Há exceções, como quando se tratar de estudantes, por exemplo, pois estes estão em início de "carreira"! Mas de modo geral o transporte público terrestre é concebido como alternativa para os que não possuem carro. Por isso é concebido como um ambiente oposto ao ambiente de exclusividade do automóvel. Isto é, os ônibus, salvo algumas exceções como os luxuosos bus de turismo, não existem para dar conforto ao cidadão. E, ainda, associando o imaginário brasileiro à força do capital que transformou este serviço público em negócio muito rentável e perverso! Os sistemas de transporte público não visam um serviço público de qualidade equiparada ao exclusivo automóvel (o que seria uma subversão social), visa o lucro do empresário e o distanciamento qualitativo entre o carro e o ônibus. Este poder simbólico incute em toda a sociedade a condição sub-social do transporte público.

Talvez seja por isso que a população aceita as péssimas condições de conservação, higiênicas e a utilização de ônibus antigos com baixa segurança nas linhas. A propósito, linhas arbitrariamente impostas, em seus trajetos e horários, sem o compartilhamento decisório sobre esta prestação de serviços público. É melhor para o empresário um ônibus abarrotado de "usuários" num determinado horário ao invés de dois ônibus com os "clientes" bem acomodados. O valor do bilhete é o mesmo para quem viaja em ônibus novo ou de 20 anos de uso, o mesmo para quem viaja em pé ou sentado. O custo, aliás, é maior para quem utiliza o transporte público.

Neste cenário, as utopias são sempre bem vindas. A utopia do passe livre ao transporte público de qualidade, por exemplo. Fecho meu texto com uma frase que circula pelas redes sociais. Uma utopia para o Brasil amplamente difundida mas não utilizada como exemplo: "Pais rico não é aquele que pobre anda de carro. É aquele que rico anda de transporte público".

Quero ver os ricos andarem de transporte público no Brasil sem serem chamados de fracassados pelos pobres!!  

sexta-feira, 19 de julho de 2013

A nobreza médica

É realmente preocupante a situação da saúde pública no Brasil. Não sou médico, tampouco da área da saúde. Mas como servidor público assisto, com muita atenção, as reivindicações da classe médica. Gosto muito de contextualizar historicamente uma situação sociocultural. No caso desses últimos protestos e, especialmente, ver a classe média alta personificada nos médicos e acadêmicos de medicina irem às ruas, com seus cartazes “politizados”, me lembrou Lima Barreto.

Em sua obra Os Bruzundangas, publicada em 1923, no ano seguinte da sua morte, Lima Barreto descreve a cultura política do período conhecido por República Velha. No país fictício “Bruzundanga” a nobreza se divide em dois ramos: a nobreza doutoral e a outra que o autor denomina “palpite”. A descrição da aristocracia doutoral feita de forma sucinta pelo autor me provocou tamanho espanto que resolvi citar diretamente, leia:

A aristocracia doutoral é constituída pelos cidadãos formados nas escolas, chamadas superiores, que são as de medicina, as de direito e as de engenharia. Há de parecer que não existe aí nenhuma nobreza; que os cidadãos que obtêm títulos em tais escolas vão exercer uma profissão como outra qualquer. É um engano. Em outro qualquer país, isto pode se dar; na Bruzundanga, não. Lá, o cidadão que se asma de um título em uma das escolas citadas, obtém privilégios especiais, alguns constantes das leis e outros consignados nos costumes. O povo mesmo aceita esse estado de cousas e tem um respeito religioso pela sua nobreza de doutores. Uma pessoa da plebe nunca dirá que essa espécie de brâmane tem carta, diploma; dirá: tem pergaminho. Entretanto, o tal pergaminho é de um medíocre papel de Holanda. As moças ricas não podem compreender o casamento senão com o doutor; e as pobres, quando alcançam um matrimônio dessa natureza, enchem de orgulho a família toda, os colaterais, e os afins. Não é raro ouvir alguém dizer com todo o orgulho: — Minha prima está casada com o doutor Bacabau.”

É aceitável que no Brasil, país em desenvolvimento, a saúde pública esteja, igualmente, em desenvolvimento. Não atribuo todas as mazelas do SUS à classe médica mas que há uma grande assimetria entre o médico e o paciente, isto é inegável. Esta assimetria talvez seja explicada, não pela abismal diferença do poder aquisitivo, mas por este sentimento aristocrático que permeia a classe médica que é tão forte a ponto de seus conselhos de classe tentar jogar a população, o “povo que aceita do status quo”, contra o governo. Há a ideia entre muitos médicos que trabalhar para os governos é fazer filantropia, por isso não há controle do ponto, etc. Talvez esteja aí a raiz da precariedade do serviço público na área da saúde.

Desculpem-me a argumentação, talvez panfletária, mas quando se fala em desigualdade social, o Brasil é um dos exemplos mais lembrados no mundo. E ver a classe médica que sempre se beneficiou desta desigualdade social, querendo se posicionar como movimento reivindicatório, me causa um desconforto como cidadão. E como cidadão, já percebi que estes médicos (não são todos os médicos) estão apenas preocupados com mercado que perderão com a atuação regulatória do Governo para que se democratize a ação médica no Brasil. Talvez esteja mais que na hora dos egressos de universidades públicas, sobretudo das áreas mais necessitadas pela sociedade, como saúde, como educação, etc., retribuírem a conquista da formação prestando serviços para o Estado em contrapartida da educação gratuita de qualidade paga pelos impostos de todos os brasileiros. 

Estou certo de que está na hora de ocorrer uma mudança estrutural em nosso país, para definitivamente deixar de se assemelhar a uma Bruzundanga, e produzir de fato uma sociedade igualitária, libertária e fraterna! Onde os filhos de pedreiros possam naturalmente serem médicos e os filhos de médicos possam ter orgulho de serem professores por opção. Que estes casos não virem exemplos de superação e desapego respectivamente. Seria um País em que as relações sociais se estabeleceriam primeiramente pela afinidade e não pela classe e/ou estrato econômico. Enfim, um Brasil onde filhos de médicos pudessem escolher algo melhor do que perpetuar a sua família entre a “nobreza doutoral” seria um País realmente inclusivo e pronto para o status de “país desenvolvido”.

sábado, 13 de julho de 2013

Qual é o foco?

Estou ouvindo e lendo em muitas mídias que o Governo Federal está “desviando o foco” das manifestações que ainda reverbera em muitas cidades do Brasil. Dizem que a Reforma Política não é uma reivindicação das marchas ocorridas em 2013.

Pensemos, então, sobre a política em nossa Terra Brasilis desde o achamento em 1500. O Brasil foi colônia da Coroa Portuguesa 322 anos e durante os 67 anos após a “independência” foi um estado monárquico. Na verdade, o Brasil foi herdado pelo príncipe português, mas isto eu conto depois. No entanto, a partir de 1889, heroicamente foi proclamada a República Brasileira e com isso tudo mudou no Brasil, desde as questões sociais até as questões políticas, observou-se uma maneira republicana em todos os aspectos socioculturais que transformaram o País num verdadeiro modelo do projeto moderno de nação, com liberdade, igualdade e fraternidade. Será mesmo? Desculpem a ironia!

Quando se estuda um pouco a História, percebemos que as coisas não acontecem de forma isoladas e estanques. No caso da proclamação da república brasileira, não se verifica uma ruptura tão radical a ponto de no dia 07 de setembro de 1889 todas a práticas socioculturais de 389 anos sob a égide monárquica se transformarem em republicanas, como num passe de mágica. Estas mudanças acontecem na longa duração, ou seja, são muitas gerações para que a cultura política se transforme.

Pior é que nossa cultura política ainda está carregada de aspectos monárquicos. Estes aspectos nos seguiram no tempo até os dias atuais. O coronelismo, o populismo, o clientelismo político que ainda permeia nosso sistema político-eleitoral, são variações do ethos político monárquico. Mas percebam que todos estes “ismos” não existem só no meio político-partidário. São estruturas sociais que não sobrevivem sem a sociedade alimentá-las. Então, a sociedade de maneira geral tem dificuldade, por exemplo, em separar o que é público do que é do governante (privado). Herdamos isto do tempo em que todos os bens do estado eram da Coroa.

As manifestações de 2013 trouxeram a baila muitas das mazelas do nosso sistema político. As dificuldades dos governos em promover ações republicanas (“res”:coisa; “pública”:comum), isto é, ações para o bem comum em função das pressões e dos entraves políticos de raízes monárquicas.  O transporte público é um bom exemplo. Muitas vezes os empresários deste ramo, são partidários e/ou financiadores de campanhas eleitorais. Será que permanecem com suas concessões públicas por décadas em função da qualidade dos serviços prestados?

As “vozes das ruas”, como estão se referindo as demandas levantadas pelas manifestações de junho de 2013, são diversificadas, apontam para mudanças nas políticas públicas em todas as áreas, as quais só poderão ser promovidas com mudanças estruturais. Não como numa monarquia que resolve tudo com decretos unilaterais, mas com consulta a população para que o sistema político tenha mais representatividade e transmita credibilidade. O que é próprio de uma democracia.

Não creio que a Reforma Política possa ser feita por aqueles que sempre a evitaram. Estes que estão assustados com a possibilidade da modificação das regras políticas atuais, que dificultam a “república” estabelecer-se de fato. Estes que estavam jogando o foco em um ou outro governante pensando no benefício eleitoral para a próxima campanha, perceberam que talvez sejam parte do “foco”. Engraçado que estes que se beneficiam, direta ou indiretamente, deste sistema político clientelista, automaticamente foi para a defensiva com o discurso: “o governo está desviando o foco”. Por tudo isso acredito que estabelecer um novo sistema político que é condição necessária para o #BrasilMelhor.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

As Manifestações e a Gestão Pública

As manifestações de 2013 evidenciaram algo que poucos meios de comunicação difundem: A ineficiência da gestão pública em dar respostas em ações efetivas e a incapacidade da sociedade em cobrar adequadamente dos agentes políticos, sejam executivos, sejam legislativos, resoluções das demandas levantadas.

Na política partidária, onde se formam os agentes políticos para as três esferas, municipal, estadual e federal, é majoritário e tido como normal o modus operandi tradicional de se fazer política. Este ethos político se materializa nas cidades pela prática da antiga fórmula que consiste em “economizar” nos dois primeiros anos da gestão e transformar o município em um “canteiro de obras” nos dois últimos anos. Esta prática só beneficia os candidatos em seus discursos eleitoreiros em detrimento da eficiência e impessoalidade na administração pública. Este modelo politiqueiro de “gestão” voltada para as obras está ultrapassado e, na minha visão, é um fator importante do atraso administrativo do setor público.

A boa técnica, que não deve ser dissociada da boa política, aponta para a gestão com foco nas pessoas, e não nas obras. Uma “gestão cidadã” se ocupa em divulgar os números de pessoas atingidas pelos programas das políticas públicas e não somente com o volume de recurso aplicado em obras em cada área. É comum ouvir nas rádios, ler nos jornais locais, os discursos produzidos pelas prefeituras apontando o volume de recursos investido em cada área da administração pública. As obras são importantes, mas não um fim em si mesmo. Deveriam, os agentes políticos, apontar os resultados produzidos com estes investimentos e quantificá-los pela adoção ou criação de índices que demonstram se a ação pública está surtindo efeito. Exemplo de índices desse tipo são: IDEB, IDH, IDSUS, IGD, IDS, etc.

O fato é que a grande maioria das pessoas desconhecem a estrutura orçamentária e administrativa das suas prefeituras, do seu Estado e da União. Aliás, a União tem apresentado uma estrutura cada vez mais voltada para resultados, com foco nas pessoas atingidas pelas políticas públicas. Já o Governo do Estado do RS vem se aprimorando neste sentido embora atrasado com relação a União. Mas de fato, o grande entrave no sentido da gestão, são os municípios. É no município que se tem uma relação mais estreita entre agente político e cidadão. É no município que se evidencia a dificuldade dos políticos em praticar uma gestão impessoal e eficiente. Assim como é evidente a incapacidade de apropriação por parte dos cidadãos dos meios adequados para fazerem suas reivindicações. Excesso de burocracia? Afirmo que não!

Nossa cidadania é fortemente ancorada e exercida com base nas relações pessoais e não sobre as  garantias essenciais constitucionais com é o caso dos EUA. Daí a força do “Você sabe com quem está falando?”. Então, culturalmente os cidadãos buscam a participação através das relações pessoais com os agentes políticos. Daí o principal fator do esvaziamento das audiências públicas! Mas como servidor público, acredito numa evolução deste aspecto social, na participação cidadã e no fortalecimento da transparência e da cidadania. Consequentemente a redução das práticas ilícitas, com maior controle social, reduzindo a corrupção (que também é social).


Por fim, para cobrar dos agentes políticos uma gestão cidadã, basta ler e se apropriar do que diz os Arts. 37 a 39 da Constituição Federal.  Quem estuda ou estudou Direito Constitucional ou Direito Administrativo, conhece o “LIMPE”: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. São os Princípios Constitucionais da Administração Pública. Seria um belo cartaz para a manifestações, não é? Aprofundando estes conceitos, não faltará um instrumental teórico adequado para fiscalizar, cobrar e contribuir para uma boa gestão pública. A propósito, nos municípios estão sendo realizadas audiências públicas do Plano Plurianual-PPA, que é o planejamento para os próximos quatro anos. Uma bela oportunidade para exigir um “LIMPE” na gestão!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Reduzir secretarias significa economicidade?

Nesta época, quando as novas administrações municipais estão tomando conhecimento de toda a chamada "máquina administrativa", é muito comum ouvir algumas ideias voltadas para a economicidade do gasto público. É louvável toda a ação administrativa voltada para melhorar a qualidade do gasto público mas, por outro lado, é obsoleto o pensamento pura e simplesmente voltado para o aspecto quantitativo do gasto. O que mais se ouve, tanto por parte das críticas feita pela mídia quanto por parte dos novos ordenadores das despesas, são as medidas para contenção de despesas com base no corte quantitativo. Alias, alguns entrevistadores por aí, quando ao entrevistar qualquer novo prefeito, indaga invariavelmente que a quantidade de secretarias é um indicador da economicidade da despesa do município. Esta afirmação é, no mínimo, contraditória. Para não dizer ser demonstração de ignorância da estrutura pública. Ora! Por este prisma, reduzir o número de secretarias com o intuito de economizar recursos públicos é o mesmo que afirmar que se uma família comer no mesmo prato vai sentir menos fome!

É sabido que nossos municípios - até mesmo estruturas estaduais e federais - são carentes de organização, de planejamento, enfim, são carentes do que podemos nominar eficiência na gestão pública. Poucas estruturas, pouquíssimas mesmo, implementaram o que a legislação e os manuais técnicos elaborados pelos órgãos de controle propugnam, que é a gestão participativa por resultados. Basicamente, este tipo de gestão consiste em elaborar os orçamentos estruturados em programas que visam resolver problemas definidos pela participação popular, qualificados e quantificados em indicadores. Estes indicadores ou índices servem para medir o quanto a ação pública é efetiva. Em outras palavras, estes indicadores vão dizer se o gasto público tem qualidade ou não, se estão realmente resolvendo os problemas ou não. Portanto, a afirmação de que a redução de secretarias com a simples reordenação do organograma, ou seja, a transferência de toda a estrutura para outra secretaria significa economicidade do gasto é um equívoco. A começar pelo fato de que o número de secretarias não é indicador de resultado.

Não analiso aqui a boa fé do administrador público. Mas certamente este é um discurso fácil, carregado do senso comum que diz o que se quer ouvir! Ora! Sabemos que existem programas federais e estaduais, além daqueles programas mantidos com recursos próprios que os municípios devem implementar e que a quantidade de recursos para que estes programas funcionem vai depender, diretamente, da qualidade do gasto, não da quantidade. Ou seja, quanto mais eficiente for a secretaria, menos recursos vai precisar para que seus programas funcionem bem. Para saber se os programas funcionem bem, são necessários os indicadores de resultados instituídos em programas bem estruturados. Mas, infelizmente, esta "linguagem" a grande maioria dos novos "gestores" e grande parte da mídia desconhecem.