sábado, 20 de maio de 2017

O sequestro das expressões culturais


Que vivemos tempos de pós verdades e de ruptura democrática, embora negado por alguns, isso já é sabido. Vivemos tempos que a palavra “golpe”, além de ser quase proibida, te define como párea em muitos ambientes. Tempos que se buscam recontar a história até que conceitos se modifiquem. No entanto, há um movimento silencioso, aparentemente contido no conceito de pós verdade, que se manifesta na estética cultural. Uma espécie de apropriação que intui capitalizar simbolismos para servir ao novo(s) “dono(s)”! Caso haja resistência, como acontece num sequestro, a tendência é a destruição do sequestrado! Eu explico!

Os movimentos que chamaram as manifestações de 2014, 2015 e 2016 são formados por jovens com posições políticas de direita. Sim, defendem o livre mercado e estado mínimo como forma de desenvolvimento econômico e social. Certo?! Acontece que pouca ou quase nenhuma referência artística defende o liberalismo e o estado mínimo através de suas obras! Até mesmo os artistas ditos liberais, cantam, interpretam, dançam, etc. obras que contam a vida do povo trabalhador e denunciam a desigualdade. “Povo trabalhador”, até mesmo este conceito foi sequestrado! (Alguns defendem que trabalhador de verdade são os empresários que geram emprego, produzem a riqueza deste país, pagam os impostos e sustentam toda esta vagabundagem que o projeto criminoso petista quis manter fazendo populismo para se perpetuar no governo… ufa!!). Voltando ao tema, a ausência de expressões estético-culturais de direita é notável, quando das manifestações pró-golpe por exemplo, o hino nacional e o verde amarelo eram os maiores signos! Até cantaram músicas mais populares cujos autores não fariam parte da massa dos apoiadores do golpe, chamado eufemisticamente de impeachment! A música “Que pais é este” da Legião Urbana, é o caso! Embora alguns artistas que já a interpretaram possam ter se posicionado a favor do golpe, creio que o autor não o faria. Suspeito eu, que Renato Russo, que em suas letras e entrevistas sempre fez veemente defesa aos direitos humanos e denúncia aos abusos, não estaria numa manifestação sexista, de elite, pedindo a derrubada de uma presidente eleita e vestindo de verde amarelo da CBF. Não! Definitivamente, acredito eu, isso não aconteceria! No entanto as suas músicas foram cantadas e parodiadas pelos apoiadores do golpe! Lembro que alguns “salvadores do Brasil das mãos do socialismo” cantaram até a música “Vai passar” de Chico Buarque. Neste caso, o autor é politicamente muito posicionado, a tendência então passou a ser a tentativa de destruição da sua imagem. Houve resistência por parte do sequestrado neste caso!

Se formos pensar bem, os gêneros musicais mais populares, digo o samba e o sertanejo, das quais derivam muitas outras variantes, têm suas origens entre o povo trabalhador de verdade! Pessoas que, a sua época e com suas palavras, defendiam que o estado proporcionasse mais saúde, educação, saneamento básico, moradia, segurança, etc. No campo, no caso do sertanejo, ou nas periferias das grandes cidades no caso do samba. Em suma, que o estado fizesse seu papel de regulador do capitalismo redistribuindo renda para reduzir a desigualdade. Nada de leissez-faire! Nada de estado mínimo! É recorrente entre canções destes gêneros, que apontam que apesar da vida sofrida, da falta de amparo do estado, da desigualdade social, o trabalhador não perde a esperança, tampouco a dignidade. Assim como é o caso do hip hop. Não que todos os rappers, os sambistas e os sertanejos adotem estes temas. O amor e o romantismo atravessam todos eles, por exemplo, mas a vertente histórica destas expressões é “cantar o oprimido”.

Não que não se possa ouvir ou cantar músicas de autores que defendem tendências políticas diversas a suas! Não é isso que defendo aqui! A questão está no uso destas obras para fins políticos diversos da sua origem. Talvez isso, para muitos, não “tem nada a ver”, visto que as letras e melodias das canções comerciais atuais, enfiadas goela a baixo (ou crânio a dentro) pela indústria cultural via lobotomia midiática, defendem apenas o jeito de rebolar a bunda ou como ostentar o novo carrão. Há um esvaziamento da narrativa, um vazio de fruição em todas as expressões artísticas quando se torna comercial. O princípio de mercado, creio eu, despolitiza as artes, visto que neste campo, o pensamento de direita não faz sentido algum! O que vale mesmo não é mais a narrativa, é a coreografia! Opa, lembrei da coreografia nas manifestações pró-golpe! Talvez a coreografia tenha sido, tirando o Lobão, a expressão artística mais genuína da direita golpista em muitos anos!

Por fim, creio que o que ocorre, como geralmente ocorre nos sequestros com o objetivo saciar a carência de recursos financeiros, a apropriação cultural via sequestro de bens simbólicos, objetiva preencher um vazio de referências e de expressões que represente sue campo político. A pergunta que não se busca respostas é por que há este vazio no campo da direita?