quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Os impostos e a cidadania


Discutir o óbvio me faz mal! Mas a atual conjuntura exige sacrifícios! hehe Então vamos rediscutir a questão impostos: Os impostos são a principal fonte de recursos que compõe a receita do estado. É assim no mundo todo! Existem impostos municipais, estaduais e federais. Porém, todos são previstos na CF 1988. É mito que o Brasil tem carga tributária de primeiro mundo! A questão está justamente no tamanho do estado. Leia aqui



No Brasil, os preços dos produtos são expostos já com impostos embutidos! Portanto, é comum acreditar que quando um empresário desembolsa recursos para recolher uma guia de ICMS, por exemplo, ele esteja pagando o imposto! Na verdade ele apenas está repassando os valores cobrados dos clientes, para o estado! Por isso chama-se recolhimento! Basicamente os impostos sobre a renda são pagos progressivamente por pessoas físicas e jurídicas! No caso das empresas, estas já incluem nos seus preços finais dos produtos, além da margem de lucro, todos os custos que incluem os impostos. Mas, devido aos impostos embutidos nos produtos, é a população de baixa renda quem paga proporcionalmente muito mais impostos na pirâmide econômica e social! Assim como a despesa com alimentação representa uma fatia maior no orçamento doméstico, o imposto pago é também proporcionalmente maior para esta classe social! Isso é tão óbvio que somente desenhando para se ter mais clareza! No entanto há pessoas que acreditam que pagar mais impostos, nominalmente, devido ao fato de se ter uma renda abismalmente maior que outras, o faz mais "cidadão" que outro! Num post futuro posso discorrer a respeito da deturpação do conceito de cidadania.
  
Mas voltemos à carga tributária falando sobre o objetivo dos impostos. Bem! Tudo está relacionado com a função do estado, que é, a muito grosso modo, a promoção do bem estar. Pode se dizer que o estado tem a função de regulação social. Isso não quer dizer que o estado seja o Robin Wood, tirando dos ricos para dar aos pobres, tampouco quer dizer que deva retornar mais serviços públicos aos que pagam nominalmente mais impostos! Num país em desenvolvimento, a regulação acontece quando o estado, a partir de programas públicos oficiais, transparentes e lícitos, promove a redução da desigualdade social promovida pela desigualdade econômica. Já num país desenvolvido, o estado oferece a integralidade dos serviços de educação, de saúde, de cultura e de segurança para todos os cidadãos indiscriminadamente, uma vez que não há abismal desigualdade econômica e social.

Num país como o Brasil, são necessários muitos mais investimentos na área social para manter o crescimento econômico, devido a grande desigualdade econômica e social existente entre o topo e a base da pirâmide social.  Economistas e capitalistas já apontam para o aperfeiçoamento do capitalismo justamente combatendo a desigualdade abismal entre os extremos da pirâmide social. Pois o sucesso do sistema capitalista depende justamente do grau de consumo dos indivíduos e de que haja o mínimo possível de indivíduos em situação de vulnerabilidade econômica. Caso este número seja muito alto, aumenta o custo-país, e dificulta os serviços!

Neste ponto é que podemos progredir para a discussão do tamanho do estado! Com os recursos dos impostos, o estado promove serviços para regular socialmente os efeitos da desigualdade econômica de um capitalismo desarranjado como o nosso. Se o governante pensar em reduzir os gastos reduzindor o tamanho do estado (privatizar serviços), estes serviços passarão para a iniciativa privada obedecendo a lógica de mercado. E esta lógica é simples: só consome quem tem recursos para consumir. Este serviço privatizado se torna mais um fator de exclusão para aqueles da base econômica, acentuando a vulnerabilidade, aumentando a necessidade do estado investir recursos para incluir economicamente estes indivíduos. 

É óbvio que não sou economista! No entanto é óbvio que, por vezes, sejam necessárias as perguntas: Para onde vão os impostos? Por que a carga tributária brasileira não se traduz num país com infraestrutura e serviços de primeiro mundo?  As respostas podem ser simples ou complicadas mas, no final, podem não agradar a quem pensa que paga muitos impostos e recebe poucos benefícios como retorno.  Culpar a corrupção no governo e esquecer dos seus iguais que sonegam, também constitui tanto um equívoco como um sintoma. 

Pela via da análise sociológica, cultural e política, podemos concluir em poucas palavras, que a origem do descontentamento dos que pagam nominalmente mais impostos, os que estão no topo da pirâmide econômica, está nos investimentos sociais feitos pelo estado.  Dizer que o brasileiro paga muitos impostos e ainda tem de desembolsar para obter serviços de educação, saúde e segurança, constitui a razão pela qual o país é subdesenvolvido. Estes serviços oferecidos pela inciativa privada - que seguem aquela velha lógica de mercado - esvazia a possibilidade crítica aos serviços públicos, ao invés de transformá-los em universais e catalizadores de cidadania, transforma-os numa espécie de favores filantrópicos. Os serviços públicos são direitos de todos cidadãos e cidadãs, mas infelizmente são vistos como favores oferecidos aos que pagam nominalmente menos, porém, proporcionalmente mais impostos.

Não perceber que, justamente esta visão elitista, que produz esta enorme desigualdade econômica,  é que resulta nestas convulsões crísicas do capitalismo, prejudicando a todos. Talvez seja a cultura elitista e não os impostos a grande diferença entre os países desenvolvidos e o Brasil.  

terça-feira, 11 de agosto de 2015

MARSUL: 49 anos de arqueologia entre as forças políticas


O Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul, o MARSUL, fundado oficialmente em 1966, em Taquara, RS, tem como mentor o professor de desenho industrial Eurico Theófilo Miller. Miller fazia pesquisas arqueológicas independentes desde a década de 1950 e como participante do PRONAPA, Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, iniciado em 1965, surge a necessidade da formação de uma instituição de caráter público. Então pelo Decreto Estadual 18009/66 em 12 de agosto de 1966, é criado o MARSUL. Há exatos 49 anos!

Desde a sua fundação, a instituição teve como principal característica a pesquisa arqueológica. Pesquisadores reconhecidos no meio acadêmico no Brasil inteiro e inclusive no exterior, tiveram contato com o acervo e com as pesquisas do MARSUL. As pesquisas arqueológicas do PRONAPA e a ligação direta com o Instituto Smithsoniano (Smithsonian Institution), sediado em Washington, EUA, que financiou  e forneceu o arcabouço teórico que serviu de instrumental de análise e procedimentos arqueológicos de então. Estas pesquisas deram vida e razão da existência do Museu. Em 1977, foi construída a sede própria do MARSUL, numa área de 5,6 ha, doado pela Prefeitura de Taquara em 1973, às margens da rodovia RS 020, Km 04. Hoje, 49 anos depois, o Museu não consegue realizar suas atividades. Quais as causas que transformaram um museu reconhecido regional e nacionalmente como um centro de pesquisas num lugar esquecido pelo Estado e que serve de depósito pela Prefeitura Municipal?

No início dos anos 1980, num contexto de abertura democrática, e diante do crescente anti-imperialismo estadunidense, o PRONAPA e o Prof. Eurico Miller passaram a ser alvos tanto de teorias de conspiração, como de movimentos políticos de "retomada dos domínios do estado" - pelo fato do programa nascer um ano após o golpe de 1964, e pelo fato da participação do Smithsonian através do casal de arqueólogos estadunidenses Betty Meggers e Clifford Evans. Naquele momento delicado da política nacional, o campo das pesquisas arqueológica e acadêmica e as atividades do MARSUL deixaram de contar com os agentes políticos como apoiadores e passaram a ter estes agentes políticos como atores diretos. O foco deste texto não é a expulsão de Eurico Miller do MARSUL e tampouco as teorias conspiratórias em torno do PRONAPA! Este texto tem por foco a atual situação de abandono de um Museu que abriga um dos acervos mais importantes para a arqueologia brasileira cuja história perpassa a história daquele Museu. Mas entendo que é a partir da expulsão do prof. Miller do MARSUL pelas forças políticas que geram-se as condições para o atual estado de abandono do Museu.

Estou certo de que a atual situação não decorre de uma única causa ou aspecto. Decorre de múltiplas causas, que tomaram vida e/ou foram amplificadas pelas tensões exercidas pelas forças colocadas em ação em torno daquele espaço. A primeira força, da qual já discorri muito rapidamente, vamos chamar de "força científica", pela qual o MARSUL foi engendrado e em função da qual os atuais prédios foram erguidos sobre a atual área. Sem entrar no mérito técnico ou nas características pessoais de cada pessoa envolvida ou diretor nomeado, esta força visou a pesquisa arqueológica como função precípua da instituição.  A segunda e a terceira forças são políticas, no entanto em esferas diferentes. O Governo do Estado, como segunda força, foi quem acolheu a institucionalização do Museu, dando-lhe o caráter de instituição pública regional. A terceira força, a Prefeitura de Taquara, segundo depoimentos, foi o pivô do desentendimento de Miller que redundou em sua expulsão, mas foi nos em meados dos anos 2000 que a Prefeitura se estabeleceu na área de maneira institucional.

Diante das tensões exercidas por estas forças é que a história do MARSUL vai se moldando e chega os dias atuais. A força científica, que outrora era a uníssona na gestão, foi suplantada pela força política do Estado que, diante da tensão política da força Município, requereu a intervenção no Museu. As razões e as versões são controversas, mas o que se colhe em depoimentos, é que Miller teria sido arrancado pela Brigada Militar após frustar as tentativas das forças políticas de "colonizar" o Museu e suas pesquisas, que até então eram financiadas pelo Instituto Smithsoniano. A partir deste episódio truculento, a instituição ficou cada vez mais a mercê das forças políticas, tanto estaduais quanto municipais, que parecem desconhecer o real valor científico e cultural do acervo contido naquele prédio. Mesmo que muitas vezes os diretores ou diretoras do Museu tenham sido técnicos de formação, as descontinuidades, tanto técnicas quanto políticas prejudicaram muito a gestão, atingindo inclusive ao acervo. A partir do final dos anos 1980, o Museu e a área são abertos para visitação pública, numa mudança de paradigma,  experimentando um sucesso entre a população da região que passou a conhecer tanto o espaço, no sentido de recreação na área,  quanto as atividades de pesquisas arqueológicas do MARSUL. No entanto, as pesquisas arqueológicas passaram, a partir daí, a perder espaço enquanto objetivo devido à colonização das forças políticas sobre a força científica. Tanto a comunidade local, impulsionadas pelas forças políticas locais, quanto as forças políticas regionais, passaram a ver como objetivo primeiro do MARSUL a recreação tendo como a arqueologia apenas como fundo temático.

Em 2009 o Governo do Estado firma um convênio com o Município de Taquara, onde cede toda a gestão e manutenção do MARSUL. Como resultado, no mesmo ano, o MARSUL foi interditado pelo Ministério Público Federal a pedido do IPHAN, pela situação de risco sobre o acervo e sobre as pessoas, devido aos entulhos empilhados em suas dependências pela Prefeitura. Desde a década 1990, o Governo do Estado vem tensionando pela extinção, terceirização ou cedência do Museu, diante do ideário estado mínimo que prega a redução do número de instituições públicas mantidas pelo Erário. O Município de Taquara, desde final dos anos 2000, vem utilizando o prédio que era destinado à administração, biblioteca e auditório do Marsul para instalação do Museu Histórico Municipal e o prédio do acervo arqueológico, o prédio da Reserva Técnica, a prefeitura vem utilizando como depósito de sucatas, entulhos, almoxarifado, oficina e arquivo morto.

Fica evidente que as forças políticas tensionam em direção oposta à força científica. Estas forças políticas, por meio da velha politicagem de compadrio e apadrinhamento, muito conhecida na história e cultura política brasileira, minaram toda a capacidade de produção científica do MARSUL, que gerou consequências óbvias de identidade da instituição. Afinal, um Museu Arqueológico sem atividades de pesquisa, perde o sentido de existir. A falta de identidade, gera a sensação "peso morto" nas costas do Estado que permite, por parte do Município, a tensão pela apropriação dos prédios e da área. Em suma, as forças políticas são complementares, uma quer se livrar e a outra quer se apropriar, enquanto a força científica não produz efeitos sobre a gestão.

Esta situação acabou gerando uma ação judicial que gerou uma condenação do Governo do Estado, fincando este obrigado a recuperar os prédios do Museu. No entanto, as ações judiciais ainda não alcançaram o âmago do problema do MARSUL, aquilo que podemos denominar de "insegurança institucional"! Situação em que as forças políticas tencionam e afogam a força científica, proporcionando uma enorme confusão sobre os limites e os papéis de cada ator sobre o espaço, causando a real situação de risco àquele importantíssimo acervo arqueológico e documental.