terça-feira, 11 de agosto de 2015

MARSUL: 49 anos de arqueologia entre as forças políticas


O Museu Arqueológico do Rio Grande do Sul, o MARSUL, fundado oficialmente em 1966, em Taquara, RS, tem como mentor o professor de desenho industrial Eurico Theófilo Miller. Miller fazia pesquisas arqueológicas independentes desde a década de 1950 e como participante do PRONAPA, Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas, iniciado em 1965, surge a necessidade da formação de uma instituição de caráter público. Então pelo Decreto Estadual 18009/66 em 12 de agosto de 1966, é criado o MARSUL. Há exatos 49 anos!

Desde a sua fundação, a instituição teve como principal característica a pesquisa arqueológica. Pesquisadores reconhecidos no meio acadêmico no Brasil inteiro e inclusive no exterior, tiveram contato com o acervo e com as pesquisas do MARSUL. As pesquisas arqueológicas do PRONAPA e a ligação direta com o Instituto Smithsoniano (Smithsonian Institution), sediado em Washington, EUA, que financiou  e forneceu o arcabouço teórico que serviu de instrumental de análise e procedimentos arqueológicos de então. Estas pesquisas deram vida e razão da existência do Museu. Em 1977, foi construída a sede própria do MARSUL, numa área de 5,6 ha, doado pela Prefeitura de Taquara em 1973, às margens da rodovia RS 020, Km 04. Hoje, 49 anos depois, o Museu não consegue realizar suas atividades. Quais as causas que transformaram um museu reconhecido regional e nacionalmente como um centro de pesquisas num lugar esquecido pelo Estado e que serve de depósito pela Prefeitura Municipal?

No início dos anos 1980, num contexto de abertura democrática, e diante do crescente anti-imperialismo estadunidense, o PRONAPA e o Prof. Eurico Miller passaram a ser alvos tanto de teorias de conspiração, como de movimentos políticos de "retomada dos domínios do estado" - pelo fato do programa nascer um ano após o golpe de 1964, e pelo fato da participação do Smithsonian através do casal de arqueólogos estadunidenses Betty Meggers e Clifford Evans. Naquele momento delicado da política nacional, o campo das pesquisas arqueológica e acadêmica e as atividades do MARSUL deixaram de contar com os agentes políticos como apoiadores e passaram a ter estes agentes políticos como atores diretos. O foco deste texto não é a expulsão de Eurico Miller do MARSUL e tampouco as teorias conspiratórias em torno do PRONAPA! Este texto tem por foco a atual situação de abandono de um Museu que abriga um dos acervos mais importantes para a arqueologia brasileira cuja história perpassa a história daquele Museu. Mas entendo que é a partir da expulsão do prof. Miller do MARSUL pelas forças políticas que geram-se as condições para o atual estado de abandono do Museu.

Estou certo de que a atual situação não decorre de uma única causa ou aspecto. Decorre de múltiplas causas, que tomaram vida e/ou foram amplificadas pelas tensões exercidas pelas forças colocadas em ação em torno daquele espaço. A primeira força, da qual já discorri muito rapidamente, vamos chamar de "força científica", pela qual o MARSUL foi engendrado e em função da qual os atuais prédios foram erguidos sobre a atual área. Sem entrar no mérito técnico ou nas características pessoais de cada pessoa envolvida ou diretor nomeado, esta força visou a pesquisa arqueológica como função precípua da instituição.  A segunda e a terceira forças são políticas, no entanto em esferas diferentes. O Governo do Estado, como segunda força, foi quem acolheu a institucionalização do Museu, dando-lhe o caráter de instituição pública regional. A terceira força, a Prefeitura de Taquara, segundo depoimentos, foi o pivô do desentendimento de Miller que redundou em sua expulsão, mas foi nos em meados dos anos 2000 que a Prefeitura se estabeleceu na área de maneira institucional.

Diante das tensões exercidas por estas forças é que a história do MARSUL vai se moldando e chega os dias atuais. A força científica, que outrora era a uníssona na gestão, foi suplantada pela força política do Estado que, diante da tensão política da força Município, requereu a intervenção no Museu. As razões e as versões são controversas, mas o que se colhe em depoimentos, é que Miller teria sido arrancado pela Brigada Militar após frustar as tentativas das forças políticas de "colonizar" o Museu e suas pesquisas, que até então eram financiadas pelo Instituto Smithsoniano. A partir deste episódio truculento, a instituição ficou cada vez mais a mercê das forças políticas, tanto estaduais quanto municipais, que parecem desconhecer o real valor científico e cultural do acervo contido naquele prédio. Mesmo que muitas vezes os diretores ou diretoras do Museu tenham sido técnicos de formação, as descontinuidades, tanto técnicas quanto políticas prejudicaram muito a gestão, atingindo inclusive ao acervo. A partir do final dos anos 1980, o Museu e a área são abertos para visitação pública, numa mudança de paradigma,  experimentando um sucesso entre a população da região que passou a conhecer tanto o espaço, no sentido de recreação na área,  quanto as atividades de pesquisas arqueológicas do MARSUL. No entanto, as pesquisas arqueológicas passaram, a partir daí, a perder espaço enquanto objetivo devido à colonização das forças políticas sobre a força científica. Tanto a comunidade local, impulsionadas pelas forças políticas locais, quanto as forças políticas regionais, passaram a ver como objetivo primeiro do MARSUL a recreação tendo como a arqueologia apenas como fundo temático.

Em 2009 o Governo do Estado firma um convênio com o Município de Taquara, onde cede toda a gestão e manutenção do MARSUL. Como resultado, no mesmo ano, o MARSUL foi interditado pelo Ministério Público Federal a pedido do IPHAN, pela situação de risco sobre o acervo e sobre as pessoas, devido aos entulhos empilhados em suas dependências pela Prefeitura. Desde a década 1990, o Governo do Estado vem tensionando pela extinção, terceirização ou cedência do Museu, diante do ideário estado mínimo que prega a redução do número de instituições públicas mantidas pelo Erário. O Município de Taquara, desde final dos anos 2000, vem utilizando o prédio que era destinado à administração, biblioteca e auditório do Marsul para instalação do Museu Histórico Municipal e o prédio do acervo arqueológico, o prédio da Reserva Técnica, a prefeitura vem utilizando como depósito de sucatas, entulhos, almoxarifado, oficina e arquivo morto.

Fica evidente que as forças políticas tensionam em direção oposta à força científica. Estas forças políticas, por meio da velha politicagem de compadrio e apadrinhamento, muito conhecida na história e cultura política brasileira, minaram toda a capacidade de produção científica do MARSUL, que gerou consequências óbvias de identidade da instituição. Afinal, um Museu Arqueológico sem atividades de pesquisa, perde o sentido de existir. A falta de identidade, gera a sensação "peso morto" nas costas do Estado que permite, por parte do Município, a tensão pela apropriação dos prédios e da área. Em suma, as forças políticas são complementares, uma quer se livrar e a outra quer se apropriar, enquanto a força científica não produz efeitos sobre a gestão.

Esta situação acabou gerando uma ação judicial que gerou uma condenação do Governo do Estado, fincando este obrigado a recuperar os prédios do Museu. No entanto, as ações judiciais ainda não alcançaram o âmago do problema do MARSUL, aquilo que podemos denominar de "insegurança institucional"! Situação em que as forças políticas tencionam e afogam a força científica, proporcionando uma enorme confusão sobre os limites e os papéis de cada ator sobre o espaço, causando a real situação de risco àquele importantíssimo acervo arqueológico e documental.
   

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