terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Infraestrutura e superestrutura na prática


O título é mais um trocadilho do que a pretensão de uma análise marxista do cotidiano ou coisa que o valha. Pretendo, de fato, fazer a reflexão acerca da influência entre a superestrutura (conceito marxista) e a infraestrutura (conceito contemporâneo da engenharia).

De antemão afirmo que não sou marxista e que não pretendo ser muito fiel às análises academicistas. Também não é nada pessoal, considerando o exemplo que usarei, no caso o pequeno município onde resido, Santo Antônio da Patrulha, portanto o texto é de matriz puramente analítica.

Então, vamos ao que importa! Indo diretamente ao ponto, é sabido que o mundo imaterial influencia, talvez se reflita, no mundo material. A materialidade simboliza, neste sentido, uma espécie de testemunho escrito do imaterial. Refiro ao mundo material no sentido daquilo que se chama de cultura material, ou seja, aquilo que sofreu modificação humana. É tudo aquilo que foi feito ou transformado pelo Homo Sapiens. E num mundo contemporâneo, de sociedades complexas, se manifesta também na complexidade das cidades. 

Quando falo em mundo imaterial, estou querendo circunscrever tudo aquilo que o Homo Sapiens cria que não existe na materialidade. Assim, vamos dizer que é um conceito tautológico. Imaterial é toda criação humana que não é material. No entanto, toda a materialidade da ação humana é carregada simbolicamente, ou seja, carregada de imaterialidade. 

Delimitados os conceitos, percebe-se que o título é realmente pretensioso! Talvez cientificamente clichê! Na minha opinião é um clichê! Mas em tempos de hipertrofia da ignorância, de um culto à ignorância, é necessário a rediscussão do óbvio para fins educacionais e de exercício da cidadania!

Sem mais rodeios, o que quero dizer é que o imaterial, o que Marx chamou de superestrutura, o que popularmente chamamos de mentalidade, não só influencia (que é obvio) mas determina na materialização da produção humana (também não é novidade). E que no caso de sociedades, fica mais evidente se observarmos as cidades! Na minha visão, o que já foi dito por muitos, as cidades são a materialização do conjunto da mentalidade coletiva da sociedade que a constrói. 

Desta forma coloco a cidade de Santo Antônio da Patrulha, no RS, como exemplo. Faz pouco tempo que resido, mas já consegui identificar algumas características sociológicas que se evidenciam. Como sendo um dos mais antigos municípios do Estado, em termos históricos é muito recente e ainda persistem valores aristocráticos como a valorização dos sobrenomes (linhagem), títulos e posses como forma de distinção. Auto lá!! Há que se diferenciar as características capitalistas dos resíduos aristocráticos. O individualismo, a exclusividade, o marketing pessoal, a imagem como mercadoria, isto é, o "ter", o "parecer" são próprios do capitalismo. Mas no caso do Brasil, sobretudo no interior, persistes muitos valores patriarcais, uma cultura política monárquica e um autoritarismo social pautado na linhagem, títulos e cargos. Daí origina-se a típica "carteirada" e a famigerada frase: "Tu sabe com quem está falando?". 

Bem! Todo este texto, até agora, tem apenas o intuito de tentar explicar o porque e como a cidade de SAP se materializa como tal. Uma cidade desorganizada, não planejada, com problemas gigantescos de infraestrutura que talvez apenas as próximas gerações possam resolver. Se observarmos o mapa da cidade, percebemos que não há planejamento urbano algum, inclusive novos loteamentos estão sendo organizados como se fossem condomínios isolados, refletindo o individualismo e a exclusividade na mentalidade social. Na cena política, alguns sobrenomes se revezam no poder e remetem a famílias que comandam a política local há mais de um século. Na cultura, apenas os signos de origem européia são valorizados, sobretudo as tradições açorianas, que se busca como identidade, relegando outros grupos étnicos que fizeram e fazem parte da constituição do município, como por exemplo as pessoas de matriz afrodescendente, considerando o recente passado escravista.  

Por fim, não há um senso real de coletividade que se traduza na materialidade. Há um senso de individualidade familiar, que produz o desinteresse por questões que não afetam diretamente a seus familiares e pares. Seria de se estranhar uma infraestrutura voltada para a coletividade e inclusão, numa sociedade cuja a superestrutura se caracteriza pela individualidade e exclusividade como é em SAP. Na prática, então, para que se resolvam problemas estruturais, precisamos resolver os "problemas superestruturais". Talvez devemos fazer um grande "tratamento psicossocial" para que se reflita nos problemas estruturais de SAP. O primeiro passo é o reconhecimento da necessidade do tratamento! Sou mais otimista com as próximas gerações!