sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Osório e o pólo metal-mecânico

A possível instituição do polo metal mecânico osoriense é assunto polêmico e vem sendo abordado sob vários aspectos e por distintos segmentos da sociedade. Abarcar todos os aspectos que circundam este assunto não é tarefa fácil, entretanto, para formar opinião há que se estar munido de informações que refletem tanto os impactos resultantes da instalação de grandes indústrias num município, sobretudo os fatores sociais e econômicos, como os indicadores sobre a atual situação do município. É pacífico que os argumentos político-partidários são irrelevantes e, mais ainda, prejudiciais para o debate que poderá modificar o futuro do município irreversivelmente.

É histórica, econômica e socialmente demonstrado que indústrias não transformam apenas o meio ambiente, mas também o meio social, econômico e urbano em que se inserem. Projeta-se muitos postos de trabalho abertos quando da instalação de uma indústria de grande porte e com isso se espera queda do índice oficial de desemprego. Projeta-se, ainda, uma melhora da qualidade de vida da comunidade na qual a indústria está inserida. Porém os resultados práticos são diferentes dos projetados. Foi exaustivamente analisado desde o século XIX que a mão de obra industrial quando remunerada adequadamente realmente trás alguma dignidade aos empregados e assim às comunidades, todavia é o contrário que acontece como é demonstrado nas obras desde Karl Marx à Michel Foucault que trazem a crítica à sociedade industrial capitalista.

É ponto pacífico que a oferta de postos de trabalho, em regra, é inferior à procura. Devido ao caráter fluido das sociedades, os contingentes de mão-de-obra migram juntamente com as empresas ou com as ofertas. É sabido que no Brasil, país em desenvolvimento, as remunerações são desiguais com uma minoria percebendo salários dignos e a grande maioria dos empregados com remuneração insuficiente para manutenção da dignidade familiar. Nosso país tem a maior desigualdade social do mundo devido inclusive a esta lógica do princípio de mercado que se sobrepôs aos princípios de estado e de comunidade. Com esta realidade torna-se extremamente necessário o subsídio do Estado nas áreas sociais, a fim de proporcionar às famílias de baixa renda condições básicas de saúde, educação, moradia, etc. Com este “passivo social” o Estado, neste caso a Municipalidade, terá que aumentar as infra-estruturas sociais para atender a demanda que atualmente não é atendida somada às demandas geradas pelas migrações devido aos impactos da industrialização.

A visão ambiental é igualmente preocupante. Osório vem sendo premiado nesta área e atuando justamente na construção da imagem de um município que trata com respeito o meio-ambiente, coletando e tratando os seus resíduos, buscando o desenvolvimento sustentável, explorando energia limpa, etc. Como pólo metal-mecânico, a imagem ambiental não será maculada somente na paisagem, os “passivos ambientais” não foram ainda calculados. Será necessária uma ampliação da infra-estrutura para implementar medidas regulatórias necessárias para atenuar o impacto ambiental das ações industriais.

Sob uma visão econômica, geralmente se diz que incentivos para instalação de grandes indústrias é investir indiretamente em empregabilidade. Essa é uma visão neoliberal já muito debatida, inclusive em trabalhos acadêmicos e na mídia, que opera com incentivos aos grandes capitais como solução econômica e social. O fato é que o status quo econômico do município de Osório atualmente é mais que favorável: a receita estimada do município para 2010 gira em R$ 170 milhões; o PIB per capita cresce muito mais do que o do RS; o IDH é um dos melhores do país. A perspectiva de receitas para 2011 é melhor ainda: a duplicação da planta do Parque Eólico em 2010; a majoração do Índice de Participação dos Municípios na receita estadual – IPM; as estimativas otimistas da Petrobrás para os próximos anos são alguns dos fatores que influenciarão tanto o PIB quanto as receitas municipais. Nesta perspectiva não há fundamento econômico para o desembolso tão significativo – aproximadamente R$ 65 milhões - vislumbrando um retorno em impostos em médio prazo tão pouco significativo comparado com o atual panorama.

Numa projeção otimista, o retorno em impostos resultantes das atividades industriais montariam R$ 9 milhões ao ano, pouco mais de 5% da receita projetada para 2010 e 4% sobre a receita de 2011. Estima-se que em oito ou nove anos o valor “investido” seria recuperado. Mas se considerarmos que nesse período o Município terá que atender as demandas sociais e ambientais já citadas, as despesas resultantes do impacto da industrialização aumentariam nas mesmas ou em maiores proporções que as receitas em longo prazo. O que no início tem a aparência de investimento torna-se um desembolso a fundo perdido.

Essa configuração do empreendimento proposto aumentará os riscos sociais e ambientais em nome de um incerto crescimento econômico, isto é, também um risco econômico. É tese muito defendida que políticas neoliberais impossibilitam a sustentabilidade de projetos de desenvolvimento, em virtude da lógica liberalista de se amparar na racionalidade econômica de acumulação de capital. Torna-se, portanto, inevitável considerar que Osório estará “investindo” recursos públicos – que devem ser geridos sob a égide de Estado – em capital privado que o gerenciará sob os princípios de Mercado, reproduzindo a sociedade desigual ao promover o acúmulo de capital a custas dos ‘passivos’ ambiental, social e econômico que serão maiores que os ‘ativos’ da empregabilidade e desenvolvimento.

O que fazer então para promover o desenvolvimento e a empregabilidade no município? Desde a Emenda Constitucional nº 19/1998, a Lei Complementar nº 101/2000 e demais normas voltadas para administração pública, que se instituiu a eficiência como princípio constitucional e a Responsabilidade Fiscal como pressuposto legal de gestão pública. Resultado da evolução de conceitos de Planejamento Governamental consubstanciando-se no modelo de planejamento chamado de Administração por Resultados. No modelo de gestão indicado pelo ordenamento jurídico, os problemas precisam ser identificados, indicadores constituídos para medi-los, programas precisam ser criados e periodicamente medidos por indicadores para apurar os resultados da execução orçamentária frente às metas físicas e financeiras. Esta estrutura já existe legalmente em Osório com o Plano Plurianual – PPA, Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e Lei do Orçamento Anual – LOA. Neste modelo, o importante é a qualidade do gasto associado ao resultado obtido e não somente a quantidade. É o melhor e não o maior gasto.

Melhorar o gasto via programas é primordial para obtenção de uma gestão profissional dos recursos públicos, coisa que não seria nada difícil diante da atual receita e da expectativa de arrecadação para os próximos anos, ampliando a qualificação dos agentes públicos visando a gerência dos programas de maneira planejada. O desenvolvimento econômico pode ser obtido como resultado da qualificação das ações por meio de programas medidos por indicadores nas áreas da saúde, educação, cultura, turismo sustentável, meio ambiente, agricultura familiar, incentivos à cooperativas, etc. Seria o município dos sonhos de qualquer cidadão

O paradigma político monárquico e o gasto público

A insuficiência de recursos financeiros é apontada como um dos maiores (se não o maior) problemas da Administração Pública. Este apontamento é, sem dúvida, sintoma das muitas variáveis que compõem as causas desta realidade em que vivem os governantes, geralmente sem compreendê-la. Poderíamos, sem “simplismos”, com uma só palavra, apontar a maneira, definir a ferramenta, lançar a pedra fundamental para que as ações públicas satisfaçam as demandas. Esta palavra é gestão. A implantação de uma gestão e o uso adequado de suas ferramentas, certamente reduziria a percepção de que o recursos financeiros disponíveis são escandalosamente insuficientes para as demandas existentes.

Percebe-se que nos últimos anos, sobretudo na última década, a União vem aprimorando sistemas de gestão pública para aplicação em todas as esferas. Estes sistemas visam, entre outras coisas, a desburocratização, o melhor acompanhamento dos gastos e o planejamento da função pública, este último que é o mais premente dos objetivos.

Desde o início deste século, estes sistemas já se encontram traduzidos em leis, decretos, resoluções, portarias, etc., dos órgãos governamentais. Contudo, embora esta regulamentação atual de gestão pública esteja em vigência, a forma de se governar (sobretudo nos municípios) permanece no século passado. Isto é, o paradigma político não acompanhou as transformações da sua regulamentação. Daí a construção da idéia que estas regulamentações são meramente burocráticas e que “emperram a máquina administrativa” impossibilitando os governantes de governar.

Certamente, este sistema é incompatível com a política que se pratica. Esta é a percepção dos governantes que não romperam com o paradigma político do início do século XX, tempo dos coronéis, que numa linha histórica, transubstancia do coronelismo ao populismo, e que atualmente se apresenta na forma do chamado neopopulismo. A cultura política brasileira é carregada ainda do patrimonialismo, do paternalismo clientelista herdados do absolutismo europeu. Quando os bens públicos se confundem com os bens do monarca e as ações públicas são como favores em troca de lealdade política do súdito. Estrutura que nos é bem familiar, não? Os bens públicos sendo utilizados para fins particulares, as ações governamentais e cargos públicos trocados por lealdade política.

O fato é que, em termos político-ideológicos, não concluímos a transição do regime monárquico para o republicano. Parece simplista esta explicação, mas existem variantes desta prática, com as quais convivemos sem que ao menos duvidemos da sua legitimidade. Em frente a muitas prefeituras, para dar um exemplo ameno, existem estacionamentos mantidos pelo poder público para os veículos particulares dos prefeitos e secretários, chamados de “privativos”. Como pode ser privado se é público?

Em muitas gestões públicas (se é que se pode denominar “gestão”) os governantes são demasiadamente subjetivos. Sequer conhecem os manuais nacionais de despesa e de receita1, por exemplo, que preconizam um sistema de gestão voltado para programas, com indicadores de resultados que objetivam medir a eficácia, a efetividade e, sobretudo, a eficiência das ações de governo. Para se ter uma idéia do grau de profissionalismo vislumbrado por estes manuais da União, estes indicadores de resultados são alimentados por índices que devem ser medidos periodicamente para que se tenha a real noção da eficiência do gasto. Todo este sistema regulador visa a eficiência na Administração Pública, princípio constitucional desde 1998.

Se forem respeitadas as etapas do gasto público, “planejamento, execução, controle e avaliação”, como determina o Manual da Despesa Nacional, teremos naturalmente um saneamento financeiro e a real ruptura com o paradigma político monárquico. Devemos fiscalizar e cobrar eficiência, evitar que o governante-monarca gaste os recursos públicos conforme sua vontade e capricho, em projetos sem contexto, obras faraônicas, objetivando a manutenção do poder numa perspectiva maquiavelista de política.

Outra memória do dia D

Ao ler um texto num jornal local, festejando o dia D, senti-me provocado a fazer algumas avaliações históricas acerca dos festejos do 6 de junho. Temos, hoje, uma sociedade essencialmente democrática e livre, que nos permite manifestar-nos sem censuras e com liberdade. Entretanto há que se ter responsabilidades diante desta liberdade. É importante lembrar de fatos históricos relevantes como o dia D, o desembarque na Normandia, que ceifou muitas vidas. Fato que, aliás, no meu entender e de muitos analistas de história militar é repleto de muitos erros estratégicos, ocasionando muitas baixas desnecessárias. Como diz a velha máxima: conta a história quem vence a guerra. Só que nesse caso quem ganhou a guerra não contou a história.

Contudo, mais importante que festejar datas é analisar, sem ufanismos, o panorama político-militar que levou a derrota do III Reich e por conseqüência, o final da Segunda Guerra. Depois das ofensivas nazistas e a expansão dos domínios de Hitler, a data que poderíamos apontar como marco do início da derrocada nazista, não é o dia D, 6 de junho de 1944, e sim 31 de janeiro de 1943, quando os nazistas se entregaram aos russos em Stalingrado, depois de uma campanha sangrenta em 1942. Hitler se propôs a exterminar os judeus, também por associa-los ao comunismo. A idéia central ao atacar a URSS era destruir tudo e matar todos.

Ao final da Segunda Guerra, quase 6 milhões de judeus mortos cruelmente, de maneira gratuita, num episódio sombrio conhecido como Holocausto. Não podemos esquecer, porém, que foram aproximadamente 20 milhões de soviéticos mortos, a maioria civil, pelo simples fato de ser eslavo.

Portanto, não devemos somente aos EUA e à Grã Bretanha a capitulação de Hitler, esta última, aliás, pode ser apontada como co-responsável do avanço nazista sobre democracias, se omitindo pelo simples fato do combate sangrento ao comunismo promovido pelos nazistas. Enquanto brasileiros, não devemos esquecer os 20 anos de ditadura que mergulhamos devido a uma doutrina de segurança nacional difundida a partir dos EUA, num cenário de Guerra Fria, que depôs um governo legítimo que pretendia efetuar reformas que, sem dúvidas, trariam mais justiça social. Sem falar nos séculos de exploração econômica promovida pela Inglaterra durante os períodos colonial e imperial.

Por fim, devemos muito mais a Stalin que a Roosevelt ou Churchil a queda do nazismo. Com certeza, a versão da história que circula, não é a versão do exército que estava em Berlin, a alguns metros do chefe suicida do III Reich, este que foi o Exército Vermelho, considerado aliado até então. Claro que comunista, no nosso país, ainda é sinônimo de tudo aquilo que a propaganda estadunidense ensinou aos muitos reprodutores de opinião.