sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Ironia da Democracia

Se ainda há dúvidas sobre nossa democracia, estas dúvidas devem ser minimizadas diante do discurso na ONU da presidenta Dilma Rousseff e da visita da Comissão da Verdade ao prédio onde funciona 1° Batalhão da Polícia do Exército, na Tijuca, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro, onde nos anos da Ditatura Civil Militar, funcionou um DOI-Codi, fatos ocorridos nesta semana.

Os DOI-Codi (Departamento de Operações de Informações - Centro de Operações e Defesa Interna), eram órgãos vinculados ao Exercito e foram criados com o objetivo de repressão às organizações de esquerda, mais especificamente às organizações da esquerda armada. Durante o período da Ditadura Civil-Militar (1964-1985), não somente a esquerda política, mas todos setores formadores de opinião da sociedade brasileira sofreram alguma forma de repressão. No meio científico o termo Terror de Estado foi difundido para designar as práticas repressivas praticadas pela institucionalidade em regimes de exceção, ou seja, na ausência do estado de direito. Vale lembrar que nem toda a esquerda brasileira pegou em armas durante a ditadura. Entretanto, muitos perderam a vida ou parte dela nos porões da ditadura simplesmente pelo fato de militar ou se auto proclamar de esquerda.

O fato do Brasil ter criado em Comissão da Verdade e os trabalhos estarem redundando em investigações que buscam estabelecer a verdade com relação aos crimes cometidos durante aquele período, não apenas os casos mais famosos como os casos ex-presidentes João Goulart e JK, como filho da estilista Zuzu Angel, Stuart Angel Jones dirigente do MR-8, o do jornalista Vladmir Herzog, etc., mas das pessoas comuns que foram mortas ou sofreram alguma ação terrorista por parte dos órgãos de repressão. A ideia de se formar centros de memória nos lugares onde se praticou torturas ou funcionou orgãos que implementaram os mecanismos de repressão social, ou o Terror de Estado durante os anos de chumbo, é indubitavelmente um avanço democrático que demonstra que nossa sociedade poderá conviver com esta verdade exposta em museus. Descobrir que talvez o militar que dá nome a sua rua pode ter promovido verdadeiras horas de terror a outras pessoas, pode ser uma experiência muito mais cidadã que se imagina.

Na época da ditadura, crimes terríveis contra a vida e de lesa-pátria foram praticados em nome da Segurança Nacional. O engraçado, e por ironia do destino, ou melhor, por ironia da democracia, uma ex-presa política e torturada naqueles porões nefastos, de esquerda, discursa na abertura da Assembléia das Nações Unidas - ONU, como chefe de estado, e coloca as práticas de espionagem dos EUA em xeque em nome da Soberania Nacional. Justamente aquele país, cujas praticas de espionagem contribuíram para empurrar quase toda a América latina, na segunda metade do século XX, para ditaduras militares.  

domingo, 15 de setembro de 2013

Falta crítica de fato

Observando o comportamento do índice oficial que mede a inflação, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, fiquei muito intrigado. Não sou economista, por isso vou utilizar termos que todos entendem! O que me intriga é que os especialistas dos grandes jornais e os telejornais das grandes emissoras de televisão estão, desde o início do ano, monitorando cada medição deste e de outros índices de inflação, sustentando que "a inflação voltou" ou até que está aumentando de maneira incontrolável. Fico mais intrigado ainda quando percebo que setores específicos da sociedade brasileira como a classe patronal industrial, a oposição política ao atual Governo Federal, a grande parte da classe média alta e classe alta do nosso país estão alardeando uma crise econômica que o País não vive.

As manchetes beiram a comicidade se não fosse um assunto tão sério. Uma, por exemplo, diz que o FMI reduziu a previsão de crescimento do Brasil de 3% para 2,5%, ou algo parecido. Ora! Todos sabem que aquele órgão internacional é devedor do Brasil, e que se o País entrasse de fato numa crise, seria um ótimo momento de renegociação. Outra manchete diz respeito a desaceleração da geração de emprego no trimestre vinculando a queda da perspectiva do crescimento do PIB. Ora! Desde sempre estes índices se comportam variavelmente de acordo com a época do ano, isto é, de maneira sazonal.
Pois bem! Não quero rebater aqui todas as manchetes sensacionalistas, especulativas e claramente tendenciosas dos grandes veículos de comunicação. 

Mas fico realmente irritado com gigantesco boicote ao País em nome de um projeto de retomada do poder. Pois é assim que vejo! Estes setores da sociedade que num passado não muito distante se beneficiaram das crises que quebraram economicamente o Brasil, hoje estão saudosistas do tempo daquela enorme desigualdade. O que acontece é uma propagação de informações truncadas e fora de um contexto amplo, no intuito claro da promoção eleitoral de 2014. Penso que existem limites que não poderiam ser ultrapassados. Não se pode "brincar" com a estabilidade econômica do País em nome do jogo eleitoral escancarado! Quem está interessado em pesquisas de intenções de voto para presidente faltando mais de 1 (um) ano da eleição? E porque os números da aprovação do Governo Dilma Rousseff são sistematicamente divulgados?

Fico muito intrigado não só com as afirmações de grandes mídias que procuram evitar a contextualização maior, mas com aquilo que evitam mostrar. Evitam dizer, ´por exemplo, que comparando os números de inflação, do crescimento, da geração de empregos, entre o Brasil e os países desenvolvidos, vemos o quanto nosso sistema econômico está passando ao largo de toda a crise do capitalismo mundial de maneira tão invejável que a espionagem teve que ser utilizada pelos EUA para fazer frente ao nosso crescimento.

Enquanto o jogo político feito pelas grandes redes e corporações destinado apenas a tomada do poder, jogo este que vibra numa frequência muito baixa, uma crítica mais aprofundada  ao modelo econômico brasileiro é negligenciada. Eu diria que uma crítica com maior foco no aspecto estrutural do que no conjuntural deveria ser produzida pelos especialistas. Creio que seria muito mais edificante, lógico e compreensível para toda a população brasileira.

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Prevenir é melhor que remediar

Ao ler e assistir em telejornais notícias sobre a celeuma gerada com a vinda de médicos estrangeiros por meio do Programa Mais Médicos do Governo Federal, me despertou a memória de assuntos que estudei sobre Sociologia e Antropologia na graduação em História. Claro que não pretendo esgotar o assunto, mas apenas evidenciar um aspecto sociológico que talvez, nos jornais e certamente nos telejornais, não seja discutido.

Já utilizei o excelente texto de Lima Barreto e sua definição de "Nobreza Doutoral" para ilustrar o argumento de que os médicos, de maneira geral, ainda gozam de um status social aristocrático no Brasil. Venho sendo repetitivo em afirmar que nossa cultura, sobretudo a política, é marcada pelas lembranças sociais do período colonial e monárquico. Mas, diante de uma realidade tão complexa, lembrei dos textos do sociólogo português Boaventura de Souza Santos. De acordo com esse grande pensador contemporâneo, o chamado "projeto moderno", constituído a partir da Revolução Francesa, se assenta sobre dois pilares: O da regulação e o da emancipação. O pilar da regulação, por sua vez, tem suas bases em três princípios: princípio de estado, princípio de mercado e o princípio de comunidade. O pilar da emancipação tem suas bases em três racionalidades: do direito, da arte e da ciência. Numa síntese grosseira de minha parte, Boaventura defende que enquanto os pilares mantivessem equilíbrio entre si, equilíbrio dos princípios regulatórios e das racionalidades emancipatórias entre si, o projeto moderno seria o perfeito modelo iluminista para desenvolvimento de uma sociedade igualitária, libertária e fraterna. Mas é quando o capitalismo que surge como sistema socioeconômico totalizante que perverte todos princípios e racionalidades, produzindo a hipertrofia e colonização do princípio de mercado sobre os outros e o avanço da racionalidade da ciência sobre as outras, e consequentemente causando o crescimento exagerado do pilar da regulação sobre o pilar da emancipação. O resultado, desculpem-me pelo sintético grosso modo, em termos sociológicos, é uma sociedade que vive sob a égide do princípio de mercado cujas as racionalidades tornaram-se dogmáticas e utilitárias.

Bem, voltando ao caso da medicina, como todos os outros ramos das ciências, tornaram-se mercadoria oferecida na rede educacional como num mercado, numa lógica utilitária que afirma que ser médico, professor, engenheiro, não é questão vocacional e sim uma questão de colocação num mercado de trabalho e status social. Mas o que me preocupa é que a medicina, assim como as licenciaturas, etc, são áreas que têm grande interesse pelo seu caráter público. Portanto estas áreas deveriam ser regidas pelo princípio de estado. Deveriam! Mas o que se percebe é que a  maioria dos médicos, os conselhos e sindicatos médicos estão preocupados com o mercado que estão perdendo com a intervenção do Governo Federal através do Programa Mais Médicos. A classe médica em geral está protestando justamente contra a desacomodação provocada pela vinda de médicos formados numa outra lógica: a lógica da medicina preventiva que ameaça todo o mercado da medicina curativa e a indústria farmacêutica.

Certamente os médicos cubanos que virão para os longínquos interiores deste País vão praticar a medicina preventiva onde não há muito mercado para a medicina curativa devido ao baixo poder aquisitivo dos "clientes" e a distância dos grandes centros de consumo. Desde muito antes do "Mais Médicos" o slogan de um conselho de medicina é "...não se faz saúde sem médicos." numa clara alusão ao fato que há poucos médicos e que os médicos são importantes para as políticas públicas em saúde. Agora, este discurso está em constante metamorfose. Já passou pela dificuldade de comunicação dos médicos estrangeiros, pela falta de estruturas para atendimento no interior, passou pelas questões legais de validação dos diplomas dos médicos estrangeiros, já argumentaram que a forma de contratação fere os direitos trabalhistas, mas antes já disseram que R$10 mil mensais seria como um regime de escravidão, etc. Isso é preocupante pois o discurso dos conselhos e sindicatos da classe agora é que faltam leitos e hospitais.

Talvez o que se venha a descobrir com os médicos estrangeiros, sobretudo os cubanos, é que não faltam médicos e nem infra estrutura, mas medicina preventiva por parte dos médicos brasileiros. Talvez venhamos a descobrir que prevenir é melhor que remediar.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Sindicalismo e o Populismo

Foi eleita a nova diretoria do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Osório – SSPMO que tomou posse dia 19 deste mês de agosto, dia da votação. Depois de uma longa sucessão de reeleições da gestão anterior, ocorre a vitória da chapa de oposição. Parabenizo a nova diretoria e ao mesmo tempo venho refletir sobre este aspecto político de nossa sociedade.

A situação do SSPMO se assemelha, de maneira geral, a situação da maioria dos sindicatos do Brasil. Por um lado muito vinculados a política partidária e por outro lado amarrados aos benefícios financeiros e locupletamento pessoal na função sindical, repito, isso de maneira geral.

Os sindicatos, não apenas no RS mais em todo o País vêm passando por uma crise que remete a sua gênese. Os sindicatos em sua essência estão muito vinculados ao populismo característico do período histórico que legalizou a atividade sindical no Brasil: A "Era Vargas". Muito conhecida nos livros didáticos, o período de 1930-1945 que Getúlio Vargas governou por meios autoritários e ditatoriais, transformou o Brasil em praticamente todos os aspectos. Os sindicatos, neste período, tiveram sua institucionalização porém de forma tutelada pelo governo. Tinham, na visão do governo da época, a tarefa de conciliar os interesses entre a classe trabalhadora e a classe patronal. Aliás, esta é uma das maiores características do populismo, além do líder carismático que se comunica com as massas, as concessões paternalistas e governo autocrático, a conciliação entre as classes é requisito para que possamos atribuir o status de populista a um ou outro governo. Fala-se em governos neo-populistas na América do Sul, mas isto já é outra história!

Os sindicatos, desde então, vêm adquirindo colorações de diversas matizes e se constituindo enquanto movimento político social heterogêneo. Isto é, uma gama muito diversa de origens somaram-se aos discursos e ações sindicais formando assim diversas correntes de pensamento dentro do movimento. No entanto, a grande maioria das organizações sindicais, sobretudo as do interior do País, ainda praticam aquela velha política sindical paternalista que visa a conciliação entre as classes de maneira cooptativa. Um benefício para um grupo ali, outro favorzinho aqui, etc. A conhecida fórmula do "toma lá, dá cá"!

Mas os sindicatos não servem para intermediar as negociações entre as classes? Sim! Mas devem fazer isso de maneira plural, transparente, com vista a um projeto maior, que no caso dos sindicatos dos servidores públicos de todo o Brasil, devem objetivar um serviço público de qualidade. Na minha modesta visão, o serviço público de qualidade não depende apenas da obra e materiais de primeira linha, mas depende também de profissionais qualificados e atuando com excelência em suas funções, com condições de trabalho adequadas para que o serviço prestado tenha igualmente grau de excelência. Desta forma o objetivo do sindicato é sempre, ou deveria ser, a máxima qualificação do resultado do trabalho do sindicalizado.

A triste realidade é que a grande maioria dos sindicalistas neste país apenas se utilizam de cargos sindicais como trampolim político e/ou para alçar vantagens pessoais em função de suas posições. Assim, infelizmente, os movimentos políticos de origem social como os sindicatos, que deveriam promover a oxigenação política nos partidos, nos governos e parlamentos, sucumbem diante da força do capital e da sedução que o poder econômico exerce sobre seus membros para que permaneçam praticando o velho e surrado populismo de Vargas.  

Discurso e Poder

O Litoral Norte do Rio Grande do Sul recebeu a ilustre visita da Presidenta Dilma Rousseff pela ocasião da inauguração do Campus do Instituto Técnico Federal em Osório. Estive presente na solenidade e me ocorreu de escrever sobre o poder do discurso, não somente na política, mas sua influência no social.

Fique claro que não pretendo fazer defesas acerca dos conteúdos partidários dos discursos proferidos naquele ato solene. Me cabe apenas analisar a ritualística e as nuances de poder que revestiram os discursos. É lógico que mesmo se tratando de um ato político oficial, os discursos tem uma carga ideológica característica da política brasileira.

Lembrei o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) que diz em sua obra, a grosso modo, que o poder adquiri maior eficácia quando institucionalizado porém, as relações de poder podem ser percebidas cotidianamente, manifestadas de maneira capilarizada ou menos centralizada através do discurso. O sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002), afirma que o discurso político assume caráter de legitimidade de acordo com o poder simbólico a ele atribuído. No evento em questão o caráter solene, obviamente, carrega os discursos de um "poder simbólico" em função da representatividade, não somente dos cargos, mas pelo contexto social em que o evento, reunindo tantas autoridades, está inserido. Adquire também a eficácia de poder pois é altamente institucionalizado, pois reuniu as três esferas em suas representações máximas: os prefeitos da região, o Governador do Estado e a Presidente da República. Assim, o simbolismo de poder que o ato solene adquiri diante da sociedade é claro, não somente pelo aparato de segurança nacional instalado.

Em todo o discurso existe o que é evidenciado e o que é ocultado. Isto é, o que se diz e o que não se diz! Óbvio, não? Nem tanto quando nos deparamos com autoridades políticas que procuram, através de seus discursos, afirmar-se no campo político e que para isso é necessário evidenciar certos aspectos e ocultar outros! O que absolutamente normal e faz parte do nosso cotidiano também, pois ninguém em sã consciência sai por aí dizendo tudo o que pensa. Existem ocasiões que não nos é possível dizer o que nos vem à mente e outras que nos exige posicionamentos que desagradam alguns. Isto é praticado exaustivamente pelos agentes políticos, pois estes dependem do "poder simbólico" atribuídos a sua imagem. E constantemente seus discursos podem e serão utilizados para a construção ou para a destruição de sua "imagem política".

Enfim, para os que fazem uma leitura antropológica da política, não é de se estranhar, por exemplo, quando os discursos assumem caráter reivindicatório, como o do prefeito de Osório, solicitando maior apoio para custeio das estruturas inauguradas através de parcerias, ou quando os discursos assumem um tom de defesa e afirmação, como o do ministro da educação, que em resposta e em defesa da instituição que representa, afirmou que o custeio das estruturas federais, como o Campus Osório do IFRS, são exclusivamente por conta do Governo Federal.
A presidenta Dilma, assim como todas as outras autoridades, cumpriu todos os ritos que a formalidade lhe exige. Entretanto, ao defender, em seu discurso, a destinação de 100% dos royalties do petróleo extraído do pré-sal para a Educação, ao desmistificar o alardeado retorno da inflação, afirmando que está sob controle, ao relacionar a desaceleração da criação de novos empregos com outros períodos históricos, e que justamente a diferença do cenário histórico é que é o grande diferencial, a presidenta reconheceu que seu discurso é carregado de "poder simbólico" e que, embora estivesse no Litoral Norte do RS, em Osório, ela falava à nação como um todo.

Ao direcionar seu discurso para setores específico da sociedade brasileira, Dilma assumiu um tom discursivo de campanha eleitoral? Aos olhos deste observador, não! A presidenta apenas assumir um discurso em defesa da instituição que representa! A Presidência da República.