terça-feira, 10 de setembro de 2013

Prevenir é melhor que remediar

Ao ler e assistir em telejornais notícias sobre a celeuma gerada com a vinda de médicos estrangeiros por meio do Programa Mais Médicos do Governo Federal, me despertou a memória de assuntos que estudei sobre Sociologia e Antropologia na graduação em História. Claro que não pretendo esgotar o assunto, mas apenas evidenciar um aspecto sociológico que talvez, nos jornais e certamente nos telejornais, não seja discutido.

Já utilizei o excelente texto de Lima Barreto e sua definição de "Nobreza Doutoral" para ilustrar o argumento de que os médicos, de maneira geral, ainda gozam de um status social aristocrático no Brasil. Venho sendo repetitivo em afirmar que nossa cultura, sobretudo a política, é marcada pelas lembranças sociais do período colonial e monárquico. Mas, diante de uma realidade tão complexa, lembrei dos textos do sociólogo português Boaventura de Souza Santos. De acordo com esse grande pensador contemporâneo, o chamado "projeto moderno", constituído a partir da Revolução Francesa, se assenta sobre dois pilares: O da regulação e o da emancipação. O pilar da regulação, por sua vez, tem suas bases em três princípios: princípio de estado, princípio de mercado e o princípio de comunidade. O pilar da emancipação tem suas bases em três racionalidades: do direito, da arte e da ciência. Numa síntese grosseira de minha parte, Boaventura defende que enquanto os pilares mantivessem equilíbrio entre si, equilíbrio dos princípios regulatórios e das racionalidades emancipatórias entre si, o projeto moderno seria o perfeito modelo iluminista para desenvolvimento de uma sociedade igualitária, libertária e fraterna. Mas é quando o capitalismo que surge como sistema socioeconômico totalizante que perverte todos princípios e racionalidades, produzindo a hipertrofia e colonização do princípio de mercado sobre os outros e o avanço da racionalidade da ciência sobre as outras, e consequentemente causando o crescimento exagerado do pilar da regulação sobre o pilar da emancipação. O resultado, desculpem-me pelo sintético grosso modo, em termos sociológicos, é uma sociedade que vive sob a égide do princípio de mercado cujas as racionalidades tornaram-se dogmáticas e utilitárias.

Bem, voltando ao caso da medicina, como todos os outros ramos das ciências, tornaram-se mercadoria oferecida na rede educacional como num mercado, numa lógica utilitária que afirma que ser médico, professor, engenheiro, não é questão vocacional e sim uma questão de colocação num mercado de trabalho e status social. Mas o que me preocupa é que a medicina, assim como as licenciaturas, etc, são áreas que têm grande interesse pelo seu caráter público. Portanto estas áreas deveriam ser regidas pelo princípio de estado. Deveriam! Mas o que se percebe é que a  maioria dos médicos, os conselhos e sindicatos médicos estão preocupados com o mercado que estão perdendo com a intervenção do Governo Federal através do Programa Mais Médicos. A classe médica em geral está protestando justamente contra a desacomodação provocada pela vinda de médicos formados numa outra lógica: a lógica da medicina preventiva que ameaça todo o mercado da medicina curativa e a indústria farmacêutica.

Certamente os médicos cubanos que virão para os longínquos interiores deste País vão praticar a medicina preventiva onde não há muito mercado para a medicina curativa devido ao baixo poder aquisitivo dos "clientes" e a distância dos grandes centros de consumo. Desde muito antes do "Mais Médicos" o slogan de um conselho de medicina é "...não se faz saúde sem médicos." numa clara alusão ao fato que há poucos médicos e que os médicos são importantes para as políticas públicas em saúde. Agora, este discurso está em constante metamorfose. Já passou pela dificuldade de comunicação dos médicos estrangeiros, pela falta de estruturas para atendimento no interior, passou pelas questões legais de validação dos diplomas dos médicos estrangeiros, já argumentaram que a forma de contratação fere os direitos trabalhistas, mas antes já disseram que R$10 mil mensais seria como um regime de escravidão, etc. Isso é preocupante pois o discurso dos conselhos e sindicatos da classe agora é que faltam leitos e hospitais.

Talvez o que se venha a descobrir com os médicos estrangeiros, sobretudo os cubanos, é que não faltam médicos e nem infra estrutura, mas medicina preventiva por parte dos médicos brasileiros. Talvez venhamos a descobrir que prevenir é melhor que remediar.

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