Ao ler e assistir em
telejornais notícias sobre a celeuma gerada com a vinda de médicos
estrangeiros por meio do Programa Mais Médicos do Governo Federal,
me despertou a memória de assuntos que estudei sobre Sociologia e
Antropologia na graduação em História. Claro que não pretendo
esgotar o assunto, mas apenas evidenciar um aspecto sociológico que
talvez, nos jornais e certamente nos telejornais, não seja
discutido.
Já utilizei o excelente
texto de Lima Barreto e sua definição de "Nobreza Doutoral"
para ilustrar o argumento de que os médicos, de maneira geral, ainda
gozam de um status social aristocrático no Brasil. Venho sendo
repetitivo em afirmar que nossa cultura, sobretudo a política, é
marcada pelas lembranças sociais do período colonial e monárquico.
Mas, diante de uma realidade tão complexa, lembrei dos textos do
sociólogo português Boaventura de Souza Santos. De acordo com esse
grande pensador contemporâneo, o chamado "projeto moderno",
constituído a partir da Revolução Francesa, se assenta sobre dois
pilares: O da regulação e o da emancipação. O pilar da regulação,
por sua vez, tem suas bases em três princípios: princípio de
estado, princípio de mercado e o princípio de comunidade. O pilar
da emancipação tem suas bases em três racionalidades: do direito,
da arte e da ciência. Numa síntese grosseira de minha parte,
Boaventura defende que enquanto os pilares mantivessem equilíbrio
entre si, equilíbrio dos princípios regulatórios e das
racionalidades emancipatórias entre si, o projeto moderno seria o
perfeito modelo iluminista para desenvolvimento de uma sociedade
igualitária, libertária e fraterna. Mas é quando o capitalismo
que surge como sistema socioeconômico totalizante que perverte
todos princípios e racionalidades, produzindo a hipertrofia e
colonização do princípio de mercado sobre os outros e o avanço da
racionalidade da ciência sobre as outras, e consequentemente
causando o crescimento exagerado do pilar da regulação sobre o pilar
da emancipação. O resultado, desculpem-me pelo sintético grosso
modo, em termos sociológicos, é uma sociedade que vive sob a égide
do princípio de mercado cujas as racionalidades tornaram-se
dogmáticas e utilitárias.
Bem, voltando ao caso da medicina, como todos os outros ramos das ciências, tornaram-se mercadoria oferecida na rede educacional como num mercado, numa lógica utilitária que afirma que ser médico, professor, engenheiro, não é questão vocacional e sim uma questão de colocação num mercado de trabalho e status social. Mas o que me preocupa é que a medicina, assim como as licenciaturas, etc, são áreas que têm grande interesse pelo seu caráter público. Portanto estas áreas deveriam ser regidas pelo princípio de estado. Deveriam! Mas o que se percebe é que a maioria dos médicos, os conselhos e sindicatos médicos estão preocupados com o mercado que estão perdendo com a intervenção do Governo Federal através do Programa Mais Médicos. A classe médica em geral está protestando justamente contra a desacomodação provocada pela vinda de médicos formados numa outra lógica: a lógica da medicina preventiva que ameaça todo o mercado da medicina curativa e a indústria farmacêutica.
Bem, voltando ao caso da medicina, como todos os outros ramos das ciências, tornaram-se mercadoria oferecida na rede educacional como num mercado, numa lógica utilitária que afirma que ser médico, professor, engenheiro, não é questão vocacional e sim uma questão de colocação num mercado de trabalho e status social. Mas o que me preocupa é que a medicina, assim como as licenciaturas, etc, são áreas que têm grande interesse pelo seu caráter público. Portanto estas áreas deveriam ser regidas pelo princípio de estado. Deveriam! Mas o que se percebe é que a maioria dos médicos, os conselhos e sindicatos médicos estão preocupados com o mercado que estão perdendo com a intervenção do Governo Federal através do Programa Mais Médicos. A classe médica em geral está protestando justamente contra a desacomodação provocada pela vinda de médicos formados numa outra lógica: a lógica da medicina preventiva que ameaça todo o mercado da medicina curativa e a indústria farmacêutica.
Certamente os médicos
cubanos que virão para os longínquos interiores deste País vão praticar
a medicina preventiva onde não há muito mercado para a medicina
curativa devido ao baixo poder aquisitivo dos "clientes" e
a distância dos grandes centros de consumo. Desde muito antes do "Mais
Médicos" o slogan de um conselho de medicina é "...não se
faz saúde sem médicos." numa clara alusão ao fato que há
poucos médicos e que os médicos são importantes para as políticas
públicas em saúde. Agora, este discurso está em constante
metamorfose. Já passou pela dificuldade de comunicação dos médicos
estrangeiros, pela falta de estruturas para atendimento no interior,
passou pelas questões legais de validação dos diplomas dos médicos
estrangeiros, já argumentaram que a forma de contratação fere os
direitos trabalhistas, mas antes já disseram que R$10 mil mensais
seria como um regime de escravidão, etc. Isso é preocupante pois o
discurso dos conselhos e sindicatos da classe agora é que faltam leitos e hospitais.
Talvez o que se venha a
descobrir com os médicos estrangeiros, sobretudo os cubanos, é que
não faltam médicos e nem infra estrutura, mas medicina preventiva
por parte dos médicos brasileiros. Talvez venhamos a descobrir
que prevenir é melhor que remediar.
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