segunda-feira, 29 de julho de 2013

O poder simbólico do transporte

Não é incomum ver as rodoviárias e paradas de ônibus lotadas, os ônibus igualmente lotados e, por outro lado, as ruas repletas de automóveis circulando e os pátios das lojas abarrotados de automóveis a venda. Mas será que a expansão demográfica é tão grande a ponto de transformar as estruturas de mobilidade das cidades obsoletas? Será que o incentivo ao consumo e a indústria automotiva são realmente o principal fator para "crack" na mobilidade, sobretudo nas grandes aglomerações urbanas?

Certamente este é um tema de muitas pesquisas acadêmicas, nas mais diversas disciplinas, que buscam as respostas para estas e outras questões com referência ao trânsito. No entanto, aqui vou abordar o aspecto simbólico de tudo isso. Talvez o leitor chegue a conclusão, assim como eu, de que este é o principal fator a ser modificado para melhoria do transporte público no Brasil.

É de conhecimento público e não precisa ser expert em ciências sociais para saber que o brasileiro adora o carro! Mas é necessário um pouco mais de leitura para saber que o carro adquiriu um significado simbólico através do tempo. Há estudos que atribuem uma condição erótica ao automóvel. Isto mesmo! O carro como um signo de masculinidade e, seu oposto, feminilidade. Faz sentido se observarmos como se trata e utiliza o carro em busca aprovação entre os pares e na estratégia de sedução.

Mas é sabido também que o automóvel é signo de status social. Quanto mais atual, tecnológico e de elevado valor econômico, tanto mais o carro simboliza a ascensão social do seu dono. Faz parte dos objetivos pessoais e profissionais do ocidental em geral: Ter um boa fonte de rendimentos, uma boa casa e um bom carro. Este "sonho" constitui o imaginário social, que forma a ideia, entre outras, de que o sucesso profissional passa pelo transporte exclusivo, inserido na lógica exclusiva do capitalismo. Daí a comum imagem dos centros urbanos congestionados de carros apenas com o motorista no seu interior. Assim, quando eu utilizo o meu carro para trabalhar, para me locomover pela cidade, etc., e quanto mais valor econômico agregado ao bem, mais sucesso é a mim atribuído.

E o transporte público!? Este simboliza o oposto do automóvel. Se o carro é sucesso, o ônibus é fracasso! Há exceções, como quando se tratar de estudantes, por exemplo, pois estes estão em início de "carreira"! Mas de modo geral o transporte público terrestre é concebido como alternativa para os que não possuem carro. Por isso é concebido como um ambiente oposto ao ambiente de exclusividade do automóvel. Isto é, os ônibus, salvo algumas exceções como os luxuosos bus de turismo, não existem para dar conforto ao cidadão. E, ainda, associando o imaginário brasileiro à força do capital que transformou este serviço público em negócio muito rentável e perverso! Os sistemas de transporte público não visam um serviço público de qualidade equiparada ao exclusivo automóvel (o que seria uma subversão social), visa o lucro do empresário e o distanciamento qualitativo entre o carro e o ônibus. Este poder simbólico incute em toda a sociedade a condição sub-social do transporte público.

Talvez seja por isso que a população aceita as péssimas condições de conservação, higiênicas e a utilização de ônibus antigos com baixa segurança nas linhas. A propósito, linhas arbitrariamente impostas, em seus trajetos e horários, sem o compartilhamento decisório sobre esta prestação de serviços público. É melhor para o empresário um ônibus abarrotado de "usuários" num determinado horário ao invés de dois ônibus com os "clientes" bem acomodados. O valor do bilhete é o mesmo para quem viaja em ônibus novo ou de 20 anos de uso, o mesmo para quem viaja em pé ou sentado. O custo, aliás, é maior para quem utiliza o transporte público.

Neste cenário, as utopias são sempre bem vindas. A utopia do passe livre ao transporte público de qualidade, por exemplo. Fecho meu texto com uma frase que circula pelas redes sociais. Uma utopia para o Brasil amplamente difundida mas não utilizada como exemplo: "Pais rico não é aquele que pobre anda de carro. É aquele que rico anda de transporte público".

Quero ver os ricos andarem de transporte público no Brasil sem serem chamados de fracassados pelos pobres!!  

sexta-feira, 19 de julho de 2013

A nobreza médica

É realmente preocupante a situação da saúde pública no Brasil. Não sou médico, tampouco da área da saúde. Mas como servidor público assisto, com muita atenção, as reivindicações da classe médica. Gosto muito de contextualizar historicamente uma situação sociocultural. No caso desses últimos protestos e, especialmente, ver a classe média alta personificada nos médicos e acadêmicos de medicina irem às ruas, com seus cartazes “politizados”, me lembrou Lima Barreto.

Em sua obra Os Bruzundangas, publicada em 1923, no ano seguinte da sua morte, Lima Barreto descreve a cultura política do período conhecido por República Velha. No país fictício “Bruzundanga” a nobreza se divide em dois ramos: a nobreza doutoral e a outra que o autor denomina “palpite”. A descrição da aristocracia doutoral feita de forma sucinta pelo autor me provocou tamanho espanto que resolvi citar diretamente, leia:

A aristocracia doutoral é constituída pelos cidadãos formados nas escolas, chamadas superiores, que são as de medicina, as de direito e as de engenharia. Há de parecer que não existe aí nenhuma nobreza; que os cidadãos que obtêm títulos em tais escolas vão exercer uma profissão como outra qualquer. É um engano. Em outro qualquer país, isto pode se dar; na Bruzundanga, não. Lá, o cidadão que se asma de um título em uma das escolas citadas, obtém privilégios especiais, alguns constantes das leis e outros consignados nos costumes. O povo mesmo aceita esse estado de cousas e tem um respeito religioso pela sua nobreza de doutores. Uma pessoa da plebe nunca dirá que essa espécie de brâmane tem carta, diploma; dirá: tem pergaminho. Entretanto, o tal pergaminho é de um medíocre papel de Holanda. As moças ricas não podem compreender o casamento senão com o doutor; e as pobres, quando alcançam um matrimônio dessa natureza, enchem de orgulho a família toda, os colaterais, e os afins. Não é raro ouvir alguém dizer com todo o orgulho: — Minha prima está casada com o doutor Bacabau.”

É aceitável que no Brasil, país em desenvolvimento, a saúde pública esteja, igualmente, em desenvolvimento. Não atribuo todas as mazelas do SUS à classe médica mas que há uma grande assimetria entre o médico e o paciente, isto é inegável. Esta assimetria talvez seja explicada, não pela abismal diferença do poder aquisitivo, mas por este sentimento aristocrático que permeia a classe médica que é tão forte a ponto de seus conselhos de classe tentar jogar a população, o “povo que aceita do status quo”, contra o governo. Há a ideia entre muitos médicos que trabalhar para os governos é fazer filantropia, por isso não há controle do ponto, etc. Talvez esteja aí a raiz da precariedade do serviço público na área da saúde.

Desculpem-me a argumentação, talvez panfletária, mas quando se fala em desigualdade social, o Brasil é um dos exemplos mais lembrados no mundo. E ver a classe médica que sempre se beneficiou desta desigualdade social, querendo se posicionar como movimento reivindicatório, me causa um desconforto como cidadão. E como cidadão, já percebi que estes médicos (não são todos os médicos) estão apenas preocupados com mercado que perderão com a atuação regulatória do Governo para que se democratize a ação médica no Brasil. Talvez esteja mais que na hora dos egressos de universidades públicas, sobretudo das áreas mais necessitadas pela sociedade, como saúde, como educação, etc., retribuírem a conquista da formação prestando serviços para o Estado em contrapartida da educação gratuita de qualidade paga pelos impostos de todos os brasileiros. 

Estou certo de que está na hora de ocorrer uma mudança estrutural em nosso país, para definitivamente deixar de se assemelhar a uma Bruzundanga, e produzir de fato uma sociedade igualitária, libertária e fraterna! Onde os filhos de pedreiros possam naturalmente serem médicos e os filhos de médicos possam ter orgulho de serem professores por opção. Que estes casos não virem exemplos de superação e desapego respectivamente. Seria um País em que as relações sociais se estabeleceriam primeiramente pela afinidade e não pela classe e/ou estrato econômico. Enfim, um Brasil onde filhos de médicos pudessem escolher algo melhor do que perpetuar a sua família entre a “nobreza doutoral” seria um País realmente inclusivo e pronto para o status de “país desenvolvido”.

sábado, 13 de julho de 2013

Qual é o foco?

Estou ouvindo e lendo em muitas mídias que o Governo Federal está “desviando o foco” das manifestações que ainda reverbera em muitas cidades do Brasil. Dizem que a Reforma Política não é uma reivindicação das marchas ocorridas em 2013.

Pensemos, então, sobre a política em nossa Terra Brasilis desde o achamento em 1500. O Brasil foi colônia da Coroa Portuguesa 322 anos e durante os 67 anos após a “independência” foi um estado monárquico. Na verdade, o Brasil foi herdado pelo príncipe português, mas isto eu conto depois. No entanto, a partir de 1889, heroicamente foi proclamada a República Brasileira e com isso tudo mudou no Brasil, desde as questões sociais até as questões políticas, observou-se uma maneira republicana em todos os aspectos socioculturais que transformaram o País num verdadeiro modelo do projeto moderno de nação, com liberdade, igualdade e fraternidade. Será mesmo? Desculpem a ironia!

Quando se estuda um pouco a História, percebemos que as coisas não acontecem de forma isoladas e estanques. No caso da proclamação da república brasileira, não se verifica uma ruptura tão radical a ponto de no dia 07 de setembro de 1889 todas a práticas socioculturais de 389 anos sob a égide monárquica se transformarem em republicanas, como num passe de mágica. Estas mudanças acontecem na longa duração, ou seja, são muitas gerações para que a cultura política se transforme.

Pior é que nossa cultura política ainda está carregada de aspectos monárquicos. Estes aspectos nos seguiram no tempo até os dias atuais. O coronelismo, o populismo, o clientelismo político que ainda permeia nosso sistema político-eleitoral, são variações do ethos político monárquico. Mas percebam que todos estes “ismos” não existem só no meio político-partidário. São estruturas sociais que não sobrevivem sem a sociedade alimentá-las. Então, a sociedade de maneira geral tem dificuldade, por exemplo, em separar o que é público do que é do governante (privado). Herdamos isto do tempo em que todos os bens do estado eram da Coroa.

As manifestações de 2013 trouxeram a baila muitas das mazelas do nosso sistema político. As dificuldades dos governos em promover ações republicanas (“res”:coisa; “pública”:comum), isto é, ações para o bem comum em função das pressões e dos entraves políticos de raízes monárquicas.  O transporte público é um bom exemplo. Muitas vezes os empresários deste ramo, são partidários e/ou financiadores de campanhas eleitorais. Será que permanecem com suas concessões públicas por décadas em função da qualidade dos serviços prestados?

As “vozes das ruas”, como estão se referindo as demandas levantadas pelas manifestações de junho de 2013, são diversificadas, apontam para mudanças nas políticas públicas em todas as áreas, as quais só poderão ser promovidas com mudanças estruturais. Não como numa monarquia que resolve tudo com decretos unilaterais, mas com consulta a população para que o sistema político tenha mais representatividade e transmita credibilidade. O que é próprio de uma democracia.

Não creio que a Reforma Política possa ser feita por aqueles que sempre a evitaram. Estes que estão assustados com a possibilidade da modificação das regras políticas atuais, que dificultam a “república” estabelecer-se de fato. Estes que estavam jogando o foco em um ou outro governante pensando no benefício eleitoral para a próxima campanha, perceberam que talvez sejam parte do “foco”. Engraçado que estes que se beneficiam, direta ou indiretamente, deste sistema político clientelista, automaticamente foi para a defensiva com o discurso: “o governo está desviando o foco”. Por tudo isso acredito que estabelecer um novo sistema político que é condição necessária para o #BrasilMelhor.

quinta-feira, 11 de julho de 2013

As Manifestações e a Gestão Pública

As manifestações de 2013 evidenciaram algo que poucos meios de comunicação difundem: A ineficiência da gestão pública em dar respostas em ações efetivas e a incapacidade da sociedade em cobrar adequadamente dos agentes políticos, sejam executivos, sejam legislativos, resoluções das demandas levantadas.

Na política partidária, onde se formam os agentes políticos para as três esferas, municipal, estadual e federal, é majoritário e tido como normal o modus operandi tradicional de se fazer política. Este ethos político se materializa nas cidades pela prática da antiga fórmula que consiste em “economizar” nos dois primeiros anos da gestão e transformar o município em um “canteiro de obras” nos dois últimos anos. Esta prática só beneficia os candidatos em seus discursos eleitoreiros em detrimento da eficiência e impessoalidade na administração pública. Este modelo politiqueiro de “gestão” voltada para as obras está ultrapassado e, na minha visão, é um fator importante do atraso administrativo do setor público.

A boa técnica, que não deve ser dissociada da boa política, aponta para a gestão com foco nas pessoas, e não nas obras. Uma “gestão cidadã” se ocupa em divulgar os números de pessoas atingidas pelos programas das políticas públicas e não somente com o volume de recurso aplicado em obras em cada área. É comum ouvir nas rádios, ler nos jornais locais, os discursos produzidos pelas prefeituras apontando o volume de recursos investido em cada área da administração pública. As obras são importantes, mas não um fim em si mesmo. Deveriam, os agentes políticos, apontar os resultados produzidos com estes investimentos e quantificá-los pela adoção ou criação de índices que demonstram se a ação pública está surtindo efeito. Exemplo de índices desse tipo são: IDEB, IDH, IDSUS, IGD, IDS, etc.

O fato é que a grande maioria das pessoas desconhecem a estrutura orçamentária e administrativa das suas prefeituras, do seu Estado e da União. Aliás, a União tem apresentado uma estrutura cada vez mais voltada para resultados, com foco nas pessoas atingidas pelas políticas públicas. Já o Governo do Estado do RS vem se aprimorando neste sentido embora atrasado com relação a União. Mas de fato, o grande entrave no sentido da gestão, são os municípios. É no município que se tem uma relação mais estreita entre agente político e cidadão. É no município que se evidencia a dificuldade dos políticos em praticar uma gestão impessoal e eficiente. Assim como é evidente a incapacidade de apropriação por parte dos cidadãos dos meios adequados para fazerem suas reivindicações. Excesso de burocracia? Afirmo que não!

Nossa cidadania é fortemente ancorada e exercida com base nas relações pessoais e não sobre as  garantias essenciais constitucionais com é o caso dos EUA. Daí a força do “Você sabe com quem está falando?”. Então, culturalmente os cidadãos buscam a participação através das relações pessoais com os agentes políticos. Daí o principal fator do esvaziamento das audiências públicas! Mas como servidor público, acredito numa evolução deste aspecto social, na participação cidadã e no fortalecimento da transparência e da cidadania. Consequentemente a redução das práticas ilícitas, com maior controle social, reduzindo a corrupção (que também é social).


Por fim, para cobrar dos agentes políticos uma gestão cidadã, basta ler e se apropriar do que diz os Arts. 37 a 39 da Constituição Federal.  Quem estuda ou estudou Direito Constitucional ou Direito Administrativo, conhece o “LIMPE”: Legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade e Eficiência. São os Princípios Constitucionais da Administração Pública. Seria um belo cartaz para a manifestações, não é? Aprofundando estes conceitos, não faltará um instrumental teórico adequado para fiscalizar, cobrar e contribuir para uma boa gestão pública. A propósito, nos municípios estão sendo realizadas audiências públicas do Plano Plurianual-PPA, que é o planejamento para os próximos quatro anos. Uma bela oportunidade para exigir um “LIMPE” na gestão!