Desde
de a pré-história, o Homo Sapiens vive em comunidade. As
organizações sociais se modificaram e tornaram-se mais complexas ao
longo do tempo. Esta “evolução” social ocorreu em função de
que o Homo Sapiens, a partir da revolução cognitiva, há 70 mil
anos, adquiriu a capacidade de criar ficções. Estas ficções
seriam nosso sistema simbólico. É sensível a gama de simbolismos
que diariamente tratamos sem percebermos como criações simbólicas.
Os títulos e instituições sociais como o padre, a prefeitura, as
nações, os municípios, o dinheiro etc. São exemplo de construções
sociais que não existem fora de um sistema simbólico. A
complexidade deste sistema é tamanha que compele-nos a naturalizar
estas construções simbólicas, dotando-as de personalidades, como é
o caso das “pessoas jurídicas”!
Os
monumentos são, de certa forma, a materialização do próprio
simbolismo. Assim como é a Fonte Imperial. Um monumento que tem
expressão identitária e é apropriada pela comunidade como símbolo
de Santo Antônio da Patrulha. Na historiografia local, segundo
narrativas, é testemunho material da passagem de D. Pedro I pela
cidade, que teria ordenado sua edificação. É símbolo oficial do
Município, tombado pelo IPHAE, Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico do Estado do RS, tombado por Lei Municipal e inventariado
pelo IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional. Ou seja, é carregada de simbolismos! Sem falar nos padrões
construtivos, na inscrição e adorno mitológico, ou no resultado
matrimonial atribuído a quem bebe de sua água!
Geograficamente,
é um manancial localizado numa região de muitas colinas, próximo a
Mata Atlântica e na periferia de um complexo lagunar e do litoral. É
um ótimo lugar para assentamento humano. Muitas pesquisas
arqueológicas foram realizadas na área do Município, desde a
década de 1960 aos dias atuais, em sítios arqueológicos
pré-coloniais, sobretudo, próximos ao Rio dos Sinos. A água é
essencial para a vida humana e a Fonte Imperial, ou o chafariz, como
se chamava as fontes d’água no século XIX, é fornecedor natural
deste recurso. Talvez determinante para o assentamento original de
Santo Antônio da Patrulha no século XVIII.
Como
em muitas cidades, o chafariz era responsável pelo abastecimento de
água potável. Era onde se enchiam as vasilhas. E numa sociedade de
meados do século XIX, período de sua edificação, sociedade
escravista, quem se dirigia ao chafariz para buscar água? Os
escravos ou as escravas! Então, presume-se que os chafarizes eram
espaços de socialização dos escravos. Em muitas pesquisas sobre
chafarizes do século XIX, constatou-se que também era nos seus
entornos o descarte de lixo. A edificação da Fonte Imperial, ao
estilo dos chafarizes das grandes cidades, guardadas as proporções,
insinua que é mais uma adaptação estilística e higienista de um
equipamento urbano, do que uma edificação de monumento. Talvez,
filosofando um pouco, sua valoração simbólica, ao longo do tempo,
tenha um crescimento inversamente proporcional a sua obsolescência
no abastecimento. Assim, nem sempre a Fonte Imperial foi a Fonte
Imperial!
Por
fim, pesquisas arqueológicas no entorno da Fonte Imperial poderiam
evidenciar tanto a passagem de povos pré-coloniais quanto a presença
e a socialização cultural de matriz africana. Ainda, poderia
corroborar a historiografia local no que diz respeito a passagem de
D. Pedro I, a partir dos vestígios materiais escavados. Numa visita
realizada no início de 2016, constatei a presença de fragmentos de
louças e vidros, na superfície, que rementem ao século XIX. Uma
pesquisa sistemática, possivelmente nos forneceria artefatos
arqueológicos que contariam um pouco mais da história e carregaria
a Fonte Imperial ainda mais de valor simbólico.
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