As manifestações do último dia 15,
suscitaram muitas análises que se propuseram a responder muitas
perguntas e apontar os muitos fatores que contribuíram para que
tantos brasileiros fossem às ruas naquele domingo. Não pretendo
aqui esgotar o assunto, mas acredito que posso contribuir um pouco
para o entendimento histórico, político e social do fenômeno, que
acredito deva ser analisado num contexto mais abrangente para poder
ser compreendido.
Primeiramente devemos responder a
pergunta: Quem eram os manifestantes?
Desde o século XX o Brasil vem
experimentando acirramentos nas disputas políticas e radicalismos
ideológicos que estabeleceram uma dicotomia que transpassa o
espectro político, assentando suas bases nos posicionamentos sócio-ideológicos ao longo do tempo. Na minha visão, esta disputa de
longa duração vem desde as disputas entre metropolitanos e
coloniais, passando por imperialistas versus republicanos, liberais
versus socialistas, e que hoje colocam de um lado os da chamada atual
direita brasileira, um bloco político com ideais que representam a
defesa das classes sócio-econômicas mais altas, ameaçadas de inúmeras
perdas diante dos sucessivos governos petistas, e de outro lado a
atual esquerda brasileira que defendem avanços sociais e maior
distribuição de riqueza com maior foco nas classes mais inferiores da pirâmide social. Esta dicotomia, desde os anos do
integralismo, (o fascismo no Brasil) é representada pelo verde
amarelo versus o vermelho. Nos anos 1980, foi evidenciada pelas publicações do "BRASIL: Nunca mais." e "Brasil SEMPRE".

Os manifestantes do dia 13 de março,
manifestação organizada por partidos e instituições de esquerda,
vestiam vermelho e representavam as classes sociais mais baixas. Já
nas manifestações do dia 15 de março, manifestações organizadas
pelos partidos de oposição (PSDB, DEM, PPS, etc.) e pela grande
mídia comercial do país, vestia-se verde e amarelo! É inegável, e
não houve tentativas incisivas de negar isso, que a maioria dos
manifestantes eram das classes mais elevadas, levando-se em conta o
que Bourdieu chama de capital material. Pessoas que no mínimo não
têm problemas com acesso aos bens básicos para uma vida digna. Pelo
contrário! Muitos, nas últimas férias viajaram para o exterior!
Mas surgem aqueles que dizem: “Eu não sou da elite. Sou um
trabalhador indignado com a pouca vergonha na política!”. Muito
bem! Mas resolveu se manifestar ao lado dos que pedem o impeachment
da presidente, intervenção militar, marchando ao lado de toda sorte
de ultradireitistas como os neonazistas, etc. Não se trata aqui das
origens humildes ou sobrenome, trata-se de quais ideais são
defendidos! No caso das manifestações em questão, eram ideais de
direita e elitistas.
Outra pergunta a ser respondida é: O
que queriam os manifestantes?
Claro que fatores como o televisivo ato de fazer história, o antiesquerdismo, a risível desinformação, o revanchismo pela perda das eleições em 2014, etc., influenciaram a organização dos atos do dia 15 de março. Alguns institutos de pesquisas e
jornalistas independentes produziram um rico material que evidencia o
que as transmissões da grande mídia comercial omitiu e/ou mascarou
para transformar o ato em algo “extremamente politizado que entrará para história”. Muitas declarações de manifestantes
são verdadeiras pérolas que atentam contra ao ensino formal como um
todo, sobretudo o ensino básico de História! As reivindicações do
“Movimento Brasil Livre” não foram claramente expostas além das
máximas generalizantes e golpistas. Vivemos em uma democracia e com liberdade de
expressão, mas o que se presenciou naquele domingo, foram muitas
agressões, incitação ao ódio às pessoas e partidos políticos,
palavras de ordem majoritariamente xenofóbicas, orquestradas pelos
organizadores e reproduzidas pela maioria dos manifestantes. Cenas de
xenofobia comparáveis ao fascismo dos anos 1930 e de anticomunismo
comparáveis ao período da Guerra Fria! Entretanto, por trás de todo
o ruido produzido por estas agressões absurdas, pudemos observar nas
entrevistas tanto para a mídia oficial quanto para a mídia
alternativa, padrões que podem nos elucidar o que de fato querem os
manifestantes! Quando perguntados do porque estavam alí, surgiam
quase que universalmente as duas frases: “contra a corrupção” e
“por um Brasil melhor”. Surgiram outros motivos como “contra o
PT”, “contra a Dilma”, “contra o Lula”, “prisão do Karl
Marx”, “abaixo Paulo Freire”, “intervenção militar
constitucional”, muitos cartazes em inglês, etc. Acredito que
analisando o “contra a corrupção” e o “Brasil melhor”
poderemos vislumbrar os reais objetivos da maioria dos manifestantes.
Ser contra a corrupção é um
princípio fundamental de cidadania. O brasileiro,
antropologicamente defini como corrupção o ato prejudicial à
sociedade praticado pelos outros! Isto mesmo! A corrupção, para o
brasileiro, é somente praticada pelos outros! Por isso daquela
camiseta do ex jogador de futebol e agora grande empresário, com os dizeres “A culpa não é minha. Eu votei no
Aécio!”. A culpa da corrupção é sempre dos outros, na cabeça
dos brasileiros! O brasileiro sempre diz ter votado em um político honesto! O Congresso nacional está formado de representantes
dos mais variados setores da sociedade brasileira! Dentre muitos
deputados e senadores honestos, existem os desonestos! Aqueles
cidadãos e cidadãs foram parar no Congresso por culpa dos outros?
Ou será que muitos não votaram, apoiaram, fizeram campanha, doaram
recursos financeiros, etc.? Ou os deputados e senadores são ungidos
por uma santidade que os fazem seres divinos, portanto representantes
somente do que o há de melhor no povo brasileiro?
Não há bom cidadão que não seja contra a corrupção. A corrupção está em pequenos atos
como furar uma fila, não devolver um objeto perdido, praticar
propaganda enganosa, sonegar impostos, dirigir sob efeito de álcool
ou drogas, etc. São exemplos de corrupções que ocorrem diariamente
e muito próximo a nós e que necessitam de ações de cidadania! De
protestos diários! Diante de tudo, conclui que as pessoas que
estavam nas manifestações, de certa forma, estavam se manifestando contra a
corrupção dos outros! E que na verdade estavam fartos das
repetitivas inserções já tendenciosas nos jornais e revistas que
dizem, em última instância, que o Brasil está repleto de "seres políticos" corruptos que estão tomando o país de assalto! As pessoas que diziam: “não aguento mais a corrupção”, na verdade estavam querendo dizer “eu não aguento mais a televisão, jornais e revistas repetirem ad nauseam a existência de corrupção no meio político”. E os
empresários corruptores que diariamente estão sugando os recursos
públicos em obras e licitações superfaturadas? Estes não aparecem nos telejornais e revistas onde anunciam como corruptos?
Quanto ao “por um Brasil melhor”.
Não será difícil perceber que a frase está incompleta! Há que se
responder um pergunta secundária: Melhor para quem? Visto que a grande maioria
dos manifestantes eram economicamente de classes altas, certamente não desejavam um "Brasil melhor" para os pobres! Desejavam a instituição
do imposto sobre as grandes fortunas para que haja maior distribuição
da riqueza que se concentra nas mãos de poucos ricos? Ironias a
parte, vejo que o "Brasil melhor" está diretamente ligado a uma
cidadania mais qualificada e menos corrompida pelos ímpetos egoístas
e gananciosos. O Brasil melhor daqueles manifestantes é o Brasil da
desigualdade social imensa que existia nos períodos ditatoriais! Por
isso o clamor de sua volta! Para que não se veja mais pobres em
aeroportos, pobres construindo casas e comprando carros! Para que
volte a ser mais fácil ter empregada doméstica, que trocava seu
trabalho por comida e moradia nas dependências! Para que não haja
cotas nas universidades públicas que tradicionalmente eram
frequentadas pela elite. Enfim, a grande massa de manifestantes
estavam alí com o desejo da volta no tempo, que expressa o desejo da
volta ao passado das grandes diferenças econômicas e sobretudo
sociais. Um Brasil que tivesse continuado como enclave para os EUA.
Um Brasil sem Dilma, sem Lula, sem o PT , sem o PSOL, sem o PCB e o
PCdoB. Partidos que, por exemplo, representam a luta pelo respeito à
diversidade étnica e cultural. Lutam para a inclusão das minorias
étnicas e de gênero! Ou seja, parafraseando um deputado da direita
gaúcha, “tudo o que não presta”!
Este é o país melhor que subjaz nas
afirmações de muitos manifestantes!
Um Brasil melhor para quem, cara-pálida
pintada?